Dirigente do Movimento Nacional de Luta pela Moradia e co-vereadora por Salvador, Cleide Coutinho avalia nomeações e obstáculos
Por Andressa Franco
Imagem: Reprodução Facebook
No dia 03 de janeiro, os 25 secretários do novo governo da Bahia tomaram posse, em uma cerimônia na Assembleia Legislativa da Bahia, em Salvador. Entre elas, a deputada estadual Jusmari Oliveira (PSD) [à esquerda na imagem de destaque], que assumiu a Secretaria de Urbanismo.
A escolhida do governador Jerônimo Rodrigues (PT) já foi vereadora, presidente da Câmara Municipal de Barreiras, deputada federal e prefeita de Barreiras (BA). A pasta não é uma novidade para Oliveira, que em 2017 ocupou o cargo de secretária de Desenvolvimento Urbano, mas saiu após se eleger deputada estadual.
A escolha era aguardada com ansiedade pelos movimentos sociais no estado. Isso porque a luta pela moradia digna e pela atenção à agenda de habitação sempre foi uma pauta constante nos movimentos sociais.
Conforme o Artigo 6º da Constituição de 1988 é responsabilidade da União o desenvolvimento de “programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais”. Desde as décadas de 80 e 90, movimentos como o Movimento de Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) reivindicam o direito à moradia, reforma urbana e o fim da desigualdade social.
Para a co-vereadora pela mandata Pretas Por Salvador (PSOL), Cleide Coutinho, dirigente do MNLM, a nomeação foi uma surpresa, mas, considerando outros possíveis nomes cotados, Jusmari “não é um problema”.
“Gargalo enorme”
Entre as atribuições da Secretaria estão a promoção do desenvolvimento urbano e regional do estado por meio de políticas de habitação, visando a sustentabilidade das cidades e a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes.
O desafio é grande, visto que, de acordo com levantamento da Fundação João Pinheiro, a Bahia ocupa o 3° lugar no ranking nacional de habitações precárias, atrás apenas do Maranhão e do Pará. Ou sejam são quase 158 mil moradias com famílias vivendo em péssimas condições. Para completar, o estado tem o 5° maior déficit habitacional do país.
Na cerimônia de posse, a secretária declarou que “a estruturação dos centros urbanos será um importante e necessário desafio. Eu sei também que a habitação é um gargalo enorme, assim como drenagem e a questão dos resíduos sólidos”.
“O MNLM tem um bom diálogo com a Jusmari, quando ela estava na Sedur, recebia os movimentos. Isso é importante pra que a gente consiga debater e tirar alguns encaminhamentos”, avalia Cleide Coutinho.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano – Sedur, mas não obteve retorno.
Frustração com Ministério das Cidades
Em âmbito federal, no entanto, a co-vereadora não mantém o otimismo. Também na última terça-feira (3), foi empossado em Brasília o novo ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho [à direita na imagem de destaque], presidente do MDB no Pará.
No primeiro discurso ocupando a cadeira, Jader afirmou que a retomada do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) será uma das prioridades da pasta. Barbalho destacou o problema do déficit habitacional no Brasil, escancarado durante a pandemia de covid-19; anunciou a criação da Secretaria Nacional de Políticas para Territórios Periféricos; e garantiu ainda que sua gestão deve ser marcada por “reconquistas na área social”.
O fato de se tratar de um político do campo da direita, no entanto, argumenta a co-vereadora baiana, é “um balde de água fria nos movimentos sociais”. A nomeação do paraense cumpre uma das cotas do partido no governo Lula.
“A gente trabalhou muito durante a transição para retomada de projetos como o MCMV; MCMV Entidades; obras que estavam paradas; investimento para habitação. E ocorreu o que a gente temia. Isso é ruim pra gente”, pondera a co-vereadora, que acreditava em uma possível nomeação de Guilherme Boulos (PSOL), líder do MTST, e deputado federal mais votado por São Paulo.
“A expectativa era de que se colocasse na pasta pessoas com conhecimento técnico, mas também com a vivência da prática.”
Demandas dos movimentos sociais
Lideranças do MST e MTST reivindicaram e ganharam espaço na equipe de transição do governo, visando conquistar avanços na reforma agrária. No dia 29 de novembro, foi entregue a Carta do MST ao Povo Brasileiro pela entidade ao Governo Lula. Nela, são apresentadas demandas como a necessidade da distribuição de terras de latifúndios para a produção de alimentos; criação de um Plano Nacional de Reflorestamento; políticas públicas urgentes para incentivar a produção de alimentos à população e combater a fome.
Apesar de ainda não saber como vai se dar o diálogo dos movimentos sociais com o novo ministro, Cleide Coutinho tem expectativas de que as propostas entregues para a equipe de transição do governo sejam executadas. “É lamentável a indicação porque não é um dos nossos, mas estamos fortalecendo a luta. Se tudo que apresentamos durante a transição for tirado do papel, a gente avança muito nesse governo Lula.”
Desmontes do governo Bolsonaro
Na agenda da habitação, a reconstrução das políticas de desmonte aos programas de habitação durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) é considerada uma prioridade. De acordo com levantamento publicado em dezembro pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a população em situação de rua no Brasil cresceu 38% desde 2019 e chegou em 2022 a 281,4 mil pessoas. Em uma década, o aumento foi de 211%.
Foi em 2003, durante o primeiro mandato do governo Lula, que foi criado o Ministério das Cidades, extinto em 2019, com a eleição de Bolsonaro, e retomado neste ano.
Para Coutinho, uma das principais diferenças dos governos petistas para o governo Bolsonaro, além do fim do Ministério das Cidades, foi a desarticulação dos movimentos sociais. Além do abandono em relação ao programa MCMV, ao programa MCMV Entidades e a dissolução do Conselho Nacional das Cidades.
Em outra declaração de Jader Barbalho no discurso de posse do Ministério, o emedebista afirmou que houve um “desmonte” do programa habitacional Casa Verde e Amarela, que substituiu o MCMV durante o governo Bolsonaro. Os repasses para as construções chegaram a ser suspensos em 2021 por falta de verba, ano em que o então presidente cortou 98% do orçamento para programas de moradia.
Em 2015, segundo o Sistema Integrado de Informação Financeira (Siafi), o MCMV chegou a receber R$ 20,8 bilhões em verbas do governo federal. O montante caiu para menos da metade no ano seguinte, e desde então ficou abaixo de R$ 5 bilhões por ano.
Famílias despejadas
Conforme o Ministério de Desenvolvimento divulgou em julho do ano passado, o Brasil enfrenta hoje um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias.
Já segundo mapeamento da Campanha Despejo Zero, articulação formada por 175 organizações há quase 190 mil famílias ameaçadas no país hoje, o que representa um crescimento de 901% em comparação com o início da pandemia.
Essa realidade pode ser exemplificada pela operação da Polícia Militar do Paraná na Ocupação Povo Sem Medo do MTST, em Curitiba, nesta terça-feira (10) para cumprir uma ordem de reintegração de posse, promovendo o despejo de 200 famílias assentadas.
Um jornalista da Brasil de Fato que estava no local, Pedro Carrano, denunciou que a polícia estava impedindo a entrada da imprensa e de advogados. Um vídeo mostra ele sendo detido nesta tarde (10), levado no porta malas da viatura, o repórter ainda teve o celular apreendido.
“A gente tem uma bancada da direita na Câmara Federal e Lula vai precisar muito dos movimentos sociais. Nossa grande estratégia é pressionar a bancada federal nas ruas pela retomada de todos os projetos que ficaram no meio do caminho”, finaliza Cleide Coutinho.