Mães relatam dificuldade de diálogo com a instituição e chamam atenção para os desafios de conciliar a maternidade com a universidade
Da Redação
Imagem: Reprodução
Na noite da última quinta-feira (13), a Coordenação Geral da Creche da Universidade Federal da Bahia (UFBA) anunciou o retorno das atividades no próximo dia 18 de abril. As aulas foram interrompidas no dia 28 de março depois da empresa responsável pela operação da creche ter decidido romper o contrato de forma unilateral, conforme nota da UFBA enviada para a Afirmativa.
O anúncio acontece dias depois de a Comissão de mobilização de mães, pais e responsáveis por crianças da creche acionar o Ministério Público Federal (MPF) na última segunda-feira (10), visto que, conforme denunciam por meio de uma carta à imprensa, não estavam conseguindo diálogo com a universidade.
Apesar do anúncio do retorno às atividades, uma integrante da Comissão que preferiu não se identificar informa que os responsáveis ainda cobram por meio do MPF a responsabilização do que gerou a interrupção das aulas, e como ela será compensada. As crianças têm direito a 200 dias letivos, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
“Ficamos felizes com a notícia, mas isso não anula as outras questões que temos levantado sobre a creche”, pontua Karol Souza, de 26 anos, uma das mães. “Não sabemos quando vai começar o processo de adaptação, e em julho, quando as aulas da UFBA encerram, a creche também. Mais um ano que não vai cumprir os 200 dias letivos.”
Entenda o caso
Desde 1983, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) atende, por meio de uma creche, crianças de 4 meses a 3 anos e 11 meses, filhos de estudantes, técnicos administrativos e docentes selecionados por critérios de vulnerabilidade socioeconômica. O serviço auxilia pais, mães e responsáveis a ter condições de atender as demandas da própria universidade. Tais como frequentar as aulas e cumprir estágio obrigatório, no caso dos estudantes, por exemplo. No entanto, esse serviço fundamental foi interrompido de um dia para o outro.
“No dia 27 a gente chegou para pegar as crianças e tinha um aviso grampeado no caderno delas escrito que a partir do dia seguinte não teria mais atividades”, conta Fabiana*.
A nota da UFBA destaca ainda as complexidades que envolvem a terceirização, e informa que a universidade adotou medidas para minimizar os transtornos às famílias. No entanto, no decorrer desses 18 dias, quem tem sofrido são os responsáveis das crianças, e elas próprias. Como o critério para seleção é a vulnerabilidade socioeconômica, o pagamento de serviço de creche privada é inacessível, e nem todos têm rede de apoio.
Em meio a situação, formou-se uma comissão de mobilização. A última medida do grupo foi recorrer ao MPF. Foi o último recurso encontrado pelos pais e responsáveis.
“Estamos cansadas, angustiadas, tristes. Esta decisão era o último recurso. A gente tinha muita esperança de resolver as coisas de formas que não nos desgastasse tanto. Chegamos a este ponto porque a UFBA não nos deu nenhuma previsão, somente o descaso”, explica Karol, graduanda em Geografia pela universidade.
A jovem é bolsista da Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Proae), por meio da qual morou na residência universitária, até descobrir a gravidez, quando foi redirecionada para o auxílio moradia. Ela já havia tentado uma vaga no semestre passado, mas não conseguiu devido ao excesso de burocracias.
Após muita ansiedade e angústia, Karol conseguiu a vaga para o primeiro semestre de 2023. Malcon, o menino de um ano e dois meses, começaria na creche no dia 29 de março. Mas a mãe foi surpreendida pela informação de suspensão das atividades por meio de um grupo de WhatsApp. A creche não a informou diretamente.
“Saber que seu filho vai entrar num espaço de qualidade é um momento de felicidade. Ao ver aquela mensagem eu entrei em negação e desespero. Eu já estava organizada, feliz por ter conseguido, e do nada não tinha mais onde deixar meu filho”, desabafa.
“Não existe diálogo com a universidade”
Ainda segundo a carta da comissão mobilizadora, a vice-reitoria da universidade assumiu, diante da Reitoria e do Conselho Universitário, um compromisso de retorno das atividades no dia 03 de abril, o que não ocorreu. “A gente descobriu que sequer tinham assinado o contrato ainda com a empresa terceirizada”, afirma Fabiana*.
Desde então, relatam dificuldades para manter a comunicação com os órgãos responsáveis por esses encaminhamentos. Até que, depois de muita pressão, foi marcada uma reunião no dia 5 de abril. “Não existe diálogo com a universidade”, aponta Karol. “Eu fazia parte da representação da residência universitária e a gente sempre reivindicava esse diálogo, nunca tinha devolutiva.”
De acordo com a carta à imprensa, a reitoria ou sua representação sequer se fizeram presentes, “enquanto a coordenação da creche afirmou ser uma leviandade prever uma data de restabelecimento do funcionamento da creche, demonstrando o descaso com que a situação tem sido tratada”.
Segundo Fabiana*, o único canal de diálogo nos últimos dias foi um grupo em um aplicativo de mensagens, onde só os administradores podem enviar mensagens. Até o anúncio do retorno, a última mensagem encaminhada foi na segunda-feira (10), quando os administradores informam que todas as trabalhadoras terceirizadas já haviam realizado os exames médicos admissionais. Faltando então a empresa receber o resultado dos exames, e assim as trabalhadoras assinarem o contrato.
Medidas tomadas pela UFBA
Entre as medidas tomadas pela universidade durante esse período, estão o pagamento de R$ 250 para os estudantes e o abono de faltas aos servidores. Mas foram consideradas insuficientes, principalmente para os estudantes em situação de maior vulnerabilidade. Isso porque o valor recebido não seria suficiente para pagar as diárias cobradas em creches privadas. Além disso, os responsáveis argumentam que há uma equipe de concursados na creche que poderia ter acolhido parte da demanda. Algo que, afirma Fabiana*, foi solicitado, mas não foi atendido
“Tem estudante com risco de perder estágio e até voltando pra sua cidade de origem porque não tem rede de apoio aqui. Por mais que a Reitoria tenha dito que sensibilizaria os docentes pra que as faltas fossem abonadas, o conteúdo que estão perdendo torna difícil a aprovação nas disciplinas”, explica.
“A universidade não está preparada para receber mães”
Além da preocupação com a reposição dos dias letivos perdidos, outro medo dos pais é que a situação volte a ocorrer. Desde que a creche interrompeu suas atividades, Fabiana* tem dormido de meia-noite às 4h para dar conta do trabalho, devido à presença de uma criança ativa em casa. “Tem sido bem difícil. A gente não entende como uma escola com professores efetivos não pode atender pelo menos quem está em maior vulnerabilidade.”
A situação é denunciada pela carta da comissão mobilizadora, que afirma que “além de violar os direitos das crianças, a interrupção das atividades da creche compromete a permanência dos estudantes, o exercício profissional dos servidores da universidade e a fonte de renda das trabalhadoras terceirizadas. No que se refere aos estudantes há a interrupção de sonhos extremamente batalhados”.
Sem a creche, Karol nas últimas semanas tem levado o filho para as aulas pela manhã. “A universidade não está preparada para receber mães. Os olhares te atacam. O bebê grita e chora porque são quatro horas de aula, fica um ambiente insustentável pra ele. E pelas caras dos meus colegas e professores pra eles também. É uma situação que destrói meu psicológico”, relata.
Como pela tarde a graduanda precisa estagiar, cada dia a criança tem ficado na casa de um amigo. “É muito complicado pra ele, ele não entende o que está acontecendo. É um cenário desolador, insustentável”, finaliza.
*Nome fictício. A fonte preferiu não se identificar por medo de retaliações.