Após pressão do povo de santo de Salvador vereador retira projeto de lei que muda nome de duna no Abaeté para ‘Monte Santo Deus Proverá’

Depois dos protestos de religiosos de matriz africana na última semana contra a mudança do nome de uma das dunas da Lagoa do Abaeté, em Salvador (BA), para “Monte Santo Deus Proverá”, o vereador Isnard Araújo (PL) retirou o Projeto de Lei nº 411, que propõe a alteração.

A decisão foi tomada na tarde desta terça-feira (15) durante a 2ª Sessão Ordinária, após fala de Mãe Jacira de Iansã na Tribuna Popular

Por Andressa Franco

Imagem: Jéssica Almeida

Depois dos protestos de religiosos de matriz africana na última semana contra a mudança do nome de uma das dunas da Lagoa do Abaeté, em Salvador (BA), para “Monte Santo Deus Proverá”, o vereador Isnard Araújo (PL) retirou o Projeto de Lei nº 411, que propõe a alteração.

A decisão foi tomada na tarde desta terça-feira (15) durante a 2ª Sessão Ordinária, após Mãe Jacira de Iansã, que é presidente do Povo de Religiões de Matriz Africana do Subúrbio, fazer uso da Tribuna Popular e defender o local cultuado pelo povo de matriz africana.

A religiosa classificou o projeto de Isnard como uma perversidade contra as pessoas de religiões de matriz africana. “A gente sabe que dizem que não, que o nome do Abaeté vai continuar. Mas a gente sabe que começa pelas beiradas e que depois, na calada da noite, se muda”, concluiu Mãe Jacira. Ela citou o exemplo da mudança de nome do Aeroporto de Salvador de “Dois de Julho” para “Deputado Luís Eduardo Magalhães”.

Antes da sessão ter início, o Coletivo Makota Valdina realizou o ato “Ebó Coletivo: O Abaeté tem donos ancestrais. Tirem as mãos de nossas DUNAS!” na frente do prédio da Câmara Municipal.

A mobilização teve início após a autorização da ordem de serviço pelo prefeito Bruno Reis (DEM) para as obras nas Dunas do Abaeté, na última quinta-feira (10). O projeto prevê intervenções que incluem a construção de uma sede, sanitários, auditório, iluminação, macro e microdrenagem, recantos e mirantes, dentre outros itens.

Depois da repressão violenta pelos seguranças da prefeitura de Salvador durante os atos, o “Ebó Coletivo” foi convocado. Em sua fala, Mãe Jacira acusou o prefeito Bruno Reis, o ex-prefeito ACM Neto e seguranças de ambos de tentar passar por cima dela e de outros manifestantes.

Durante a sessão, o presidente da casa Geraldo Júnior (MDB) informou que o secretário municipal Luiz Carlos, de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra), apresentará aos vereadores na próxima terça-feira (22), o projeto da Prefeitura que trata da requalificação das dunas do Abaeté.

Participando de forma remota, Isnard Araújo também se manifestou. “Em momento nenhum nós desejamos ou passou pela cabeça mudar o nome das dunas do Abaeté. Foi um ponto pequeno [das dunas] que já é cultura [o uso por evangélicos para a celebração de suas liturgias]. Eu queria que todo mundo que está aí dizendo e defendendo essa questão toda [pela rejeição do PL 411/2021 e da obra de urbanização das dunas] que tivessem a mesma disposição ao falar da Pedra de Xangô, [projeto] que vai custar R$ 8 milhões e que eles também dissessem não para aquele projeto […] que vai ocupar um espaço que é também de todos, mas está privilegiando uma religião”, disse.

Dunas da Lagoa do Abaeté

A região da Lagoa do Abaeté é marcada como um local sagrado para as religiões de matriz africana, e historicamente frequentado por seus adeptos. O local abriga monumentos em homenagem à Mãe Gilda de Ogum, cujo falecimento motivou a instituição do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, e Mãe Stella de Oxóssi, quinta Ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador.

“Para o povo de candomblé ali é um santuário religioso”, pontua Mãe Jaciara Ribeiro, ialorixá do Ilê Axé Abassá de Ogum e filha biológica de Mãe Gilda. “Eu não sou contra o progresso chegar para comunidade, mas essa construção também vai ter impacto ambiental nas dunas. Eu acho que essa intervenção é extremamente partidária e política, tem pessoas preocupadas em se reeleger”.

A co-vereadora Gleide Davis, da mandata coletiva Pretas Por Salvador (PSOL), lembra que durante o século XIX e início do século XX, o local foi marcado pela presença de mulheres negras, escravizadas e libertas, que ganhavam a vida como lavadeiras, as chamadas ganhadeiras. O tema chegou a ganhar um samba-enredo que homenageou a força e a resistência dessas mulheres, rendendo à escola de samba Viradouro o título de campeã do Carnaval do Rio de Janeiro em 2020.

“A gente está tendo um esvaziamento da laicidade do estado. Eu fico muito entristecida porque a gente cresce aprendendo sobre a história do nosso povo com muita dificuldade. É apagamento cultural, racismo estrutural, religioso e ambiental também. Porque a prefeitura quer fazer um processo de urbanização nesse lugar para atrair a especulação imobiliária”, finaliza.

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