Arte em política e emoção: Luedji Luna fala de sua música e da sua vida

Por Alane Reis e Patrícia Rosa com colaboração de Ana Paula Rosário
Foto em destaque: Danilo Sorrino

A cantora Luedji Luna é uma soteropolitana que leva a Bahia em si e na sua arte por onde passa. A geminiana diz que sua música é profissão, terapia e prazer. A partir de suas canções, o público tem acesso a sua história, afetos, o amor pela terra natal, angústias políticas, além das africanidades que carrega em si – constituída na cidade mãe, e as que encontra por aí.

O primeiro disco da cantora, Um corpo no mundo, lançado em 2017, foi contemplado com o primeiro lugar da quarta edição do Prêmio Afro, produzido pelo CADON – Centro de Apoio ao desenvolvimento Osvaldo Dos Santos Neves, além de ser indicado para três categorias da segunda edição do prêmio Caymmi de Música. O clipe homônimo ao disco foi todo produzido por mulheres negras, “isso é muito simbólico, eu e tantas outras preservamos no trabalho o movimento de irmandade e de conquistas coletivas”.

Confira a entrevista que tratou sobre arte, questões da vida, afetividade, sexualidade e outras fofuras e questões políticas.

AFIRMATIVA: Vamos começar pelo disco Um corpo no mundo. Sabemos que ele é um fruto da sua presença em São Paulo no encontro com os imigrantes africanos. Como é ser uma artista negra, mulher, baiana, na maior metrópole da América Latina?

LUEDJI LUNA: Eu fui para São Paulo na expectativa de viver de música, de disputar esse espaço e me deparei com a solidão, que tomou uma dimensão bem maior do que a solidão de estar só numa cidade e não conhecer ninguém, era a solidão de não me ver nesse espaço. Eu sou de Salvador, uma cidade que apesar das contradições do racismo, tem preto pra caramba, a gente se irmana, nos vemos em todos os lugares, a cultura negra é parte do todo, tudo nosso é África. Eu morei em vários lugares, e minha identidade baiana é muito mais latente do que minha identidade brasileira, por exemplo. Quando eu fui para São Paulo, eu não via muitas pessoas negras. Lá os pretos estão nas periferias, que são longe mesmo dos grandes centros, e eu comecei a observar que a maioria dos pretos que eu via no Centro eram imigrantes, de várias Áfricas, e eu me identificava muito com eles por não serem de lá e estarem buscando uma nova forma de ganhar a vida, como eu. Isso me estimulou a querer falar na música sobre essas negritudes diaspóricas, a minha e a deles. Na preparação para um show, pensei em ter um violonista africano e saí perguntando pelos camelôs na tentativa de uma aproximação com essas figuras que eu me identificava, e me esbarrei com a primeira barreira: a língua. Não rolou o músico africano, fui pensando: a África é multiétnica, multicultural, e além da experiência do racismo, eu não sei mais o que temos em comum, nem sei de onde vem meus antepassados. Disso que chamei de ‘saudade ancestral’ nasceu o projeto.

AFIRMATIVA: E como foi crescer em Salvador? Como foi sua infância?

L.L.: Sempre fui uma menina negra no contexto de colégio particular, de maioria de brancos. Tive amigos negros no colégio, mas com exceção de mim, a maioria das meninas negras eram filhas de funcionários ou eram bolsistas por outro motivo… eu não. Eu era filha de dois funcionários públicos que deram duro, me deram tudo e me colocaram lá. Aí tinham as meninas brancas que era minhas amigas, mas eu não gozava dos privilégios delas. Então, eu não conseguia dialogar muito com nenhum dos dois grupos e era uma vida muito solitária, mas era muito produtiva mentalmente. Até chegar na adolescência e perceber que eu não era objeto de desejo dos meninos da minha escola. E eu sou de uma geração que não se falava em lesbianidade, não existia gay e lésbica na minha sala ou na escola, não se falava sobre isso.

Foto: Zil Medeiros

AFIRMATIVA: Nem o debate?

L.L.: Não tinha debate em lugar nenhum. Eu observava essa minha inclinação, um sentimento talvez um pouco mais forte por uma amiga, mas eu achava que era amizade ou me sentia afetada por um corpo feminino no filme, ou em uma revista, sei lá. Por exemplo, antigamente Salvador tinham mais ambientes LGBT. Hoje em dia tá tudo mais tolerante, a galera que se pega na rua, nos bares, e tá lindo e é massa. Nossa, eu fiquei passada! Não tinha observado esse movimento, mas no dia do Slam (das Minas, no bairro do Cabula, onde a cantora fez um pocket show) eu falei: Gente, essas meninas de 15 anos tudo assim ô… de parabéns! (risos)

AFIRMATIVA: Quando você entendeu a sua afetividade? Ou pensou: eu acho que eu tenho atração por uma mulher…

L.L.: Isso vem da infância, meu primeiro selinho foi com uma menina, estávamos brincando de patricinhas de Beverly Hills, a gente se beijou e eu senti algo. Mas pra mim isso não tinha um nome, eu não pensava sobre isso. Até que com 17 anos teve uma novela que tinha um casal de lésbicas, não teve beijo nem nada, mas tinha essa conotação assim de duas meninas. A MTV também tinha vários programas direcionados para sexualidade, além de uma banda chamada T.A.T.U, de duas russas que no final se beijavam e também nessas revistas de adolescentes. Logo eu comecei a refletir sobre isso: quando eu vejo uma mulher nua eu me masturbo, nestes momentos meus pensamentos são direcionados para o corpo feminino.  Então, eu comecei a me dar conta que o que sentia tinha nome… mas eu também tinha atrações por homens, eu me apaixonava por meninos na escola, mas era uma relação muito de conflito sempre porque eu sofria bullying, que na verdade era racismo. Eu achava que para ser validada eu precisava desse amor masculino porque a gente é conduzida à heteronormatividade.

AFIRMATIVA: E como você define sua sexualidade?

L.L.: Eu sou bissexual, mas tem cinco anos que eu só me relaciono com mulheres e eu não sei como será no futuro, tenho receio de dizer que sou lésbica e no futuro me contradizer… Inclusive, estou amando uma mulher, negra, maravilhosa meu deus (gritos e risadas). Estou morrendo de amor, não estou conseguindo viver, não tô conseguindo respirar… Apaixonadíssima! Fui tomada de assalto (gargalhadas).

AFIRMATIVA: (Risos) Fale um pouco dessa transição da Luedji adolescente negra de auto estima fragilizada pelo racismo na escola, para a mulher de hoje, esta artista fantástica, consciente de si, crush nacional? Risos

L.L.: (Risos) Foi tudo aos 17… Eu estava no terceiro ano e com muito interesse de participar das discussões de políticas afirmativas na UFBA. Comecei a ir pras atividades do movimento, pras passeatas e lá tinham várias carinhas pretas, eu comecei a ver mais gente preta empoderada. Nesse período eu conheci uma menina, a gente se apaixonou de cara, ela se tornou minha primeira namorada e minha primeira relação sexual.

Foto: Zil Medeiros

AFIRMATIVA: E quando foi que você entendeu que a música era seu caminho?  

L.L.: Foi também aos 17 anos, quando eu fiz a minha primeira composição, comecei a circular no meio universitário, com pessoas muito criativas, que faziam arte e aí eu comecei a produzir também. Compus várias músicas e a gente cantava muito, cheguei até a ter um grupo. Foi um momento que eu entendi que isso me fazia muito feliz, mas eu estava no início do curso de Direito, e fui percebendo que fazer música era bom, e que tinha efeito nas pessoas. Depois veio a crise com o curso mesmo, achei muito enfadonho, não contemplava minha inteligência criativa, logo a música foi o alento, então com o dinheiro do estágio no Tribunal de Justiça fui fazer aula de canto e a ter as primeiras experiências de palco. Enquanto isso meus pais estavam na expectativa da OAB, dos concursos públicos, enquanto eu ia percebendo que Direito não tinha nada a ver comigo. Até que um dia eu disse: a verdade é a seguinte eu vou fazer é música, eu vou cantar pronto e acabou. A minha viagem é essa.

AFIRMATIVA: Qual seu sonho? Ou um projeto para o futuro

L.L.: O disco foi um sonho realizado, que nem sei o que falar. Meu projeto de vida é viver em paz, amar e ser amada, construir uma família, me vejo sendo mãe, mas não é algo que é o meu maior desejo na vida, posso não ser também, mas eu quero ter uma relação estável. Eu quero poder tocar mais e mais pessoas com minha música, eu faço música nesta perspectiva da cura, porque foi isso que a música fez comigo e eu percebo que é esse efeito que gera nas pessoas, cumprir com isso até quando faça sentido para mim e para o outro, não quero ficar escrava também desse projeto, um dia posso não querer mais ser cantora também.

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