Por Karla Souza
Na última quarta-feira (22), uma ação da Prefeitura de Santo Amaro resultou na derrubada de uma árvore sagrada consagrada a um orixá há 26 anos e na destruição de um assentamento de Exu, localizados em frente ao Terreiro Ilê Axé Omorodê Loní Oluayé, liderado pelo babalorixá Pai Gilson. A comunidade religiosa classificou o ato como intolerância religiosa e registrou queixa na Delegacia Territorial de Santo Amaro.
A prefeitura, liderada pelo prefeito Flaviano Bomfim (União Brasil), havia notificado Pai Gilson no último dia 20 de janeiro, determinando a demolição de uma barraca até a meia-noite do dia 22. Segundo as lideranças do terreiro, a ordem de remoção não incluía a árvore sagrada nem o assentamento, apenas a retirada de uma barraca de acarajé. Ainda assim, os trabalhadores municipais, utilizando um trator, derrubaram a árvore, desconsiderando os alertas da comunidade religiosa sobre sua importância espiritual.
Em nota divulgada nas redes sociais, a Prefeitura de Santo Amaro pediu desculpas pelo ocorrido e atribuiu o incidente a um erro da equipe designada para a execução da demolição. Além disso, informou que o caso seria investigado.
Apesar do pedido de desculpas, o ocorrido gerou revolta, principalmente porque a derrubada aconteceu um dia após o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa e da inauguração da primeira Delegacia Especializada de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa (Decrin) da Bahia.
Mabô Kayodê, Omon Orixá de Ewá e integrante do terreiro, denunciou a ação em um vídeo divulgado nas redes sociais. Segundo Mabô, os membros do terreiro alertaram os funcionários sobre a presença do assentamento e a importância da árvore sagrada, mas os avisos foram ignorados. Ela descreveu o ato como uma demonstração de desrespeito às tradições afro-brasileiras.
Testemunhas relataram que a árvore foi arrancada enquanto membros do terreiro gritavam para interromper a ação. A árvore e o assentamento de Exu eram parte essencial das práticas espirituais e culturais do terreiro, cuja história remonta décadas de resistência religiosa em Santo Amaro.
Segundo a Polícia Civil, as circunstâncias do caso estão sendo apuradas e testemunhas serão ouvidas para esclarecer os fatos. A investigação incluirá possíveis violações de direitos religiosos e culturais protegidos pela legislação brasileira.
Dados divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) exprimem a persistência do racismo religioso no Brasil, o que reforça a necessidade de ações mais efetivas para combater a discriminação e assegurar a liberdade religiosa garantida pela Constituição Federal.
O órgão informou que, ao longo de 2024, foram registradas 2.472 denúncias de intolerância religiosa no Disque Direitos Humanos (Disque 100), serviço sob coordenação da pasta. Os dados revelam que as religiões mais atingidas foram umbanda, com 151 registros, e candomblé, com 117, seguidas por evangélicos (88), católicos (53), espíritas (36), outras manifestações afro-brasileiras (21), islamismo (6) e judaísmo (2). Em 1.842 das denúncias, não houve especificação da religião.