Texto e Imagens: Olga Leiria e Rafaela Araújo
Um presente para colocar nas águas, essa é a lembrança de infância da educadora Patrícia Fies, 47 anos, moradora do bairro de Boa Vista de São Caetano.
Tinha menos de 10 anos de idade quando pisou pela primeira vez nas areias sagradas e cheias de forças de seus ancestrais negros(as), cablocos, indígenas e quilombolas. Neste sábado (19) de março, ela participou do Ato em defesa do Parque Ancestral do Abaeté, localizado na Avenida Dorival Caymmi.
Foi um sábado de sol forte, como as mais de 100 mulheres que estavam no ato. Elas reivindicavam o direito de sua ancestralidade, lutando para que não haja a “requalificação e urbanização” na área de proteção ambiental da Lagoa e Dunas do Abaeté.
“Aqui não pode ser violado, não pode ser destruído, temos muitas histórias aqui, vinha com minha mãe, minha avó”, comenta a educadora.
Entendo o que é o projeto
Moradores afirmam que não foram ouvidos pela gestão municipal para a realização do projeto, que prevê a construção de uma sede, sanitários, auditório, iluminação, macro e microdrenagem, recantos e mirantes, dentre outros itens. De acordo com a prefeitura, a previsão é de que as intervenções nas Dunas de Itapuã sejam realizadas em uma área de 5.654 m², sendo 1.900 m² de área construída, com investimento de R $5 milhões, aproximadamente. A ordem de serviço foi assinada no dia 10 de fevereiro.
Outro fator que tem causado indignação é que, além das intervenções no espaço, também há um Projeto de Lei (PL 411/2021), de autoria do vereador evangélico Isnard Araújo (PL), que propõe a denominação das Dunas da Lagoa do Abaeté para ‘Monte Santo Deus Proverá’.
Município
Segundo os organizadores do ato, ainda não houve nenhum diálogo com a comunidade do bairro e interessados para que essa obra fosse feita. Naiara Leite, 37 anos, coordenadora executiva do Instituto Odara e uma das idealizadoras do ato, disse que a requalificação do local é racismo ambiental, racismo religioso. “A prefeitura agiu de maneira arbitrária”, fala. “As dunas são das pessoas, não são de nenhuma religião”, destaca.
A Lya Oloya, Miriam Brito, 57 anos, do terreiro Ilé Axé Aunji Tomin Yamolê Omin Osun, vem nas dunas do Abaeté há mais de 30 anos. Hoje estava no ato para chamar atenção do poder público, para que eles olhem os pedidos da população. “Isso aqui é de todos nós, pagamos nossos impostos, merecemos um diálogo” afirma. “Respeito acima de tudo, somos irmãos” declara.
Evangélica no ato
Cleide Coutinho, co-vereadora do Pretas por Salvador (PSOL), é evangélica e estava no ato porque entende que o parque não precisa ser demarcado. “O ato é importante acontecer, não é uma briga por território e sim por direito. Temos que fazer resistência pelo espaço. Dinheiro público não é para beneficiar uma religião”, declara a vereadora.
Subindo a duna
Pela primeira vez nas Dunas do Abaeté, Nilzelia Conceição, 52 anos, moradora do bairro Arenoso, está emocionada à sombra de uma árvore enquanto aguarda as colegas. Nunca havia subido as dunas porque achava que era bem mais alto e como tem problema no joelho não queria arriscar, mas neste sábado resolveu conferir de perto.
“Glória a Deus, consegui”, menciona a frequentadora da igreja Assembléia de Deus. “A prefeitura deveria usar esse dinheiro e investir em moradia, olha quanta gente sem casa aí na rua”, refere-se ao valor de R $5 milhões que serão utilizados para as obras. Ainda brinca, “Se sobrar pode me dar uma ponta”.
As colegas Jaciara Macedo, 34 anos, autônoma e Luciana Freitas, 38 anos, técnica em enfermagem, são moradoras do Cabula, pegam dois ônibus, uma vez por semana para subir as dunas.
“Não concordo em mexer nas plantas e nas árvores, sinto até um ar mais fresquinho por causa dela”. diz Freitas. Ainda destaca que esse dinheiro deveria ser investido nas valas que estão abertas nos bairros. “Aqui não precisa de reforma, é a natureza que fez”, termina.
A sua colega da igreja Batista Casa Geração, diz que é a saúde que precisa de todo esse dinheiro. “Minha sobrinha de 5 anos foi na UPA e demorou mais de três horas para ser atendida, é um absurdo”, comenta.
Como cidadão
Matheus Botelho, 24 anos, professor de educação física, mora em Itapuã há pouco tempo, veio de Maracás, interior da Bahia. “Estou morando aqui no bairro há três meses e vi nas redes sociais sobre o ato, então resolvi vim”, fala o professor. “Não sou adepto a nenhuma religião, estou aqui como cidadão, morador de Itapuã”, diz. Sobre o investimento no local comenta que deveriam investir no tratamento de esgoto que é jogado todo no mar e isso o incomoda muito.
Mulher a luta
Mãe Jaciara do terreiro Axé Abassá de Ogum, mora em Itapuã há 40 anos e a lagoa da Abaeté é uma extensão da sua casa. Mulher forte de fala firme, está desde o início lutando pelo espaço e direito de todos em frequentar em paz o local como sempre foi feito pelos seus ancestrais. “Trouxemos rosa para pedir paz. Isso que estão fazendo é algo perverso. Querem tirar a força da ancestralidade. A todo momento somos reprimidos e chamados de demônios aqui, não podemos fazer uma oferenda ou arrancar uma folha” comenta a Ialorixá. Também no Parque do Abaeté fica a estátua de sua mãe, Mãe Gilda, que se tornou símbolo da luta contra a intolerância religiosa.
Que Oxum donas das águas acalme esta tempestade política e religiosa para que todos possam usufruir o espaço que a mãe natureza deixou para que todos possam contemplar seus pensamentos em paz.
Lagoa do Abaeté
A lagoa do Abaeté é uma lagoa situada na área de proteção ambiental Parque Metropolitano Lagoas e Dunas do Abaeté, no bairro de Itapuã, em Salvador, na Bahia, local imortalizado nas canções de Dorival Caymmi e Caetano Veloso.
O nome abaeté tem origem tupi ( abá-etê) e significa homem forte, ilustre, homem de bem (O Tupi na Geografia Nacional).