No último domingo (6), a população dos 5.569 municípios do Brasil saiu de suas casas para eleger seus representantes municipais pelos próximos quatro anos.
Um pleito marcado por recordes de violência política, com um aumento de 130% nas ocorrências em relação às eleições de 2020, conforme aponta a 3ª edição da pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil, feita pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global. Ao passo que em 2024 foram registrados 1,5 caso diário de violência política pelo país, em 2020 havia uma ocorrência a cada sete dias.
Foi neste cenário que saiu das urnas um futuro próximo para os municípios brasileiros com derrotas importantes, mas também vitórias a serem celebradas, no âmbito das lutas contra o racismo patriarcal, a LGBTfobia, e a sub-representação indígena, quilombola, de povos e comunidades tradicionais e de terreiro na política institucional.
As legendas que se afirmam dentro do espectro de centro ou centro-direita foram as grandes vencedoras em número de prefeituras conquistadas. O Partido Social Democrático (PSD) em primeiro lugar, com 878, seguido pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), com 847, e Progressistas (PP), com 743, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O pleito deste ano marcou a segunda disputa municipal em que o percentual de candidaturas autodeclaradas negras é superior ao de candidaturas brancas. Mas apenas 30% dos prefeitos eleitos no primeiro turno são autodeclarados negros, de acordo com o TSE. Sendo que, dos 1.841 escolhidos, 127 se autodeclaram pretos e 1.714 afirmam ser pardos. A oscilação não destoa muito das eleições anteriores. Em 2020, 32% dos eleitos no primeiro turno eram autodeclarados negros; em 2016, representavam 29%.
Vale destacar que cerca de 42 mil candidatos alteraram a declaração de cor e raça em relação ao pleito de 2020, conforme mostra um levantamento da Folha de S. Paulo. Destes, 24% concorreram nas últimas eleições municipais, e 40,4% mudaram a autodeclaração de brancos para pardos. Ou seja, passam a ter direito de se beneficiar com as cotas eleitorais destinadas aos candidatos negros, o que compreende pretos e pardos.
Esse ano, foram 482 cidades elegendo um chefe do executivo municipal negro pela primeira vez. O Nordeste abriga a maioria desses municípios (184), seguido pelo Sudeste (149), Centro-Oeste (57), Sul (50) e Norte (42). No entanto, 339 prefeituras continuam sem nunca ter elegido prefeitos negros.
Repetindo a sina de 2020, novamente, nenhuma capital brasileira elegeu uma mulher como prefeita em primeiro turno. Ainda assim, o número de mulheres assumindo prefeituras cresceu em comparação ao último pleito. Serão 722 mulheres no cargo a partir de 2025, contra 656 que foram eleitas há quatro anos. Esse crescimento, no entanto, ainda representa apenas 13,21% do total de prefeitos no país.
Quando olhamos para as mulheres negras, maior grupo populacional brasileiro, para cada uma eleita como prefeita, são 13 homens brancos que conquistaram a cadeira.
Retrocedemos também no número de vereanças conquistadas por pessoas trans no país. Foram 26 eleitas, contra 30 que saíram vencedoras do pleito de 2020. Apesar do número menor de cadeiras, a expressão de suas votações precisa ser levada em conta. Ao menos 14 candidatas trans foram as mulheres mais votadas em suas cidades. Como Benny Briolly, em Niterói (PSOL-RJ); e Thabatta Pimenta, em Natal (PSOL-RN), primeira vereadora trans na história da capital. Por outro lado, um expressivo número não só de pessoas trans eleitas, mas principalmente candidatas, estão inseridas em coligações de direita e até mesmo de extrema direita, grupos com histórico de ataques aos direitos humanos, incluive à pluralidade sexual e de gênero.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) celebrou ao fim do primeiro turno uma articulação inédita que resultou em 133 candidaturas eleitas, sendo 23 prefeituras, com presença em todas as regiões do país, especialmente no interior.
Também com recorde de candidaturas, 15 representações quilombolas e sete indígenas conseguiram se eleger como prefeitos no país.
BAHIA
Candidaturas LGBTQIA+ também alcançaram recordes no Brasil. Foram 225 cargos, mais do que dobrando em comparação às 97 pessoas da comunidade eleitas em 2020. Infelizmente, nenhuma delas em Salvador. A capital baiana perdeu sua única representação LGBTQIA+, a mandata coletiva ‘Pretas por Salvador’, integrada por Laina Crisóstomo e Cleide Coutinho, que angariou pouco mais de 5,6 mil votos, que não foram suficientes para a reeleição. As ativistas eram vozes importantes também em debates como o genocídio da população negra, a violência contra juventude negra, luta por moradia e violência de gênero na Câmara Municipal.
Em contrapartida, o vereador mais jovem eleito na cidade é o militante da extrema direita Sandro Filho, de 19 anos, que tem histórico de violência política, utilizando de fake news e incitação ao ódio, além de responder a processos por calúnia, difamação e uso indevido de imagem.
De 43 vereadores, Salvador (BA), a cidade mais negra do mundo fora de África, elegeu apenas oito autodeclarados pretos e 14 pardos. O número equivale a 51% de negros na assembleia, e embora pareça alto, a maioria destes não possui qualquer histórico de compromisso com a comunidade negra, nem mencionou questões raciais em suas campanhas e programas de mandato. A maioria (59%) deles inclusive se elegeu sob legendas de direita e centro-direita, entre eles o vereador mais votado da cidade, o repórter Jorge Araújo, e o próprio Sandro Filho.
Mesmo diante deste cenário, quatro nomes de pessoas negras se destacam pelo compromisso com o combate ao racismo e as questões sociais: tivemos a reeleição de Marta Rodrigues (PT) e Silvio Humberto (PSB), a eleição de Hamilton Assis (PSOL), e a célebre conquista de pleito de Eliete Paraguassu (PSOL), que se tornou a primeira vereadora quilombola de Salvador.
O Carlismo ainda rege com toda força da herança escravocrata e coronelista na Roma Negra, por isso, a reeleição do prefeito Bruno Reis (União Brasil) no primeiro turno era esperada. Mas a grande boa surpresa foi Kleber Rosa (PSOL), que terminou o primeiro turno em segundo lugar, com 10,43% dos votos, contra 10,33% de Geraldo Júnior (MDB), candidato apoiado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no estado. Historiador negro, investigador da Polícia Civil e professor da rede estadual, Kleber se torna o candidato do PSOL com melhor desempenho da história do partido nas eleições soteropolitanas.
Em Feira de Santana, segundo maior colégio eleitoral da Bahia, uma “vitória com sabor amargo”, como definiu Jhonatas Monteiro. Defensor da educação pública, dos ambulantes e trabalhadores informais e de políticas públicas voltadas para a população negra, ele foi eleito vereador em 2020 com recorde de votos na cidade. Esse ano bateu seu próprio recorde, mas os quase 11 mil eleitores que apostaram em seu mandato foram insuficientes para atingir o coeficiente eleitoral. Acompanhando a eleição do prefeito José Ronaldo (União Brasil) para seu quinto mandato, a Câmara feirense se tornou mais conservadora, e o segundo mais votado, o presbítero da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, Edvaldo Lima, foi reconduzido à vereança do município com praticamente metade dos votos de Monteiro.
No estado como um todo, foram eleitas 60 prefeitas, um aumento de 11% de mulheres na chefia dos municípios baianos. Destas, 33 se autodeclararam pardas ou pretas. Aqui, vale a mesma reflexão dos vereadores negros eleitos na capital baiana. Além de apenas oito delas serem filiadas a partidos que se identificam com o espectro político de esquerda, é preciso lembrar que a autodeclaração para a Justiça Eleitoral é baseada exclusivamente na percepção de identidade racial que os candidatos e candidatas têm de si mesmos. Também é comum a mudança da autodeclaração de um pleito para o outro, principalmente de brancos para pardos.
Nessas eleições, por exemplo, apenas uma entre as prefeitas baianas autodeclaradas negras, facilmente lidas socialmente como brancas, gerou repercussão. A prefeita reeleita de Vitória da Conquista, Sheila Lemos (União Brasil), foi criticada e acusada de tentar obter mais recursos do fundo eleitoral ao se declarar parda, e em nota chegou a argumentar que seus avós eram negros para justificar.