Por Catiane Pereira*
A Câmara dos Deputados aprovou, na noite da última quarta-feira (5), por 317 votos a 111, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 3/2025), que suspende uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) sobre o atendimento humanizado a meninas e adolescentes vítimas de violência sexual. A proposta, de autoria da deputada Chris Tonietto (PL-RJ), segue agora para análise do Senado.
Na prática, o texto aprovado pode dificultar o acesso ao aborto legal em casos de estupro, especialmente para crianças e adolescentes. Isso porque ele anula a Resolução nº 258/2024, que dispensava a exigência de boletim de ocorrência, autorização judicial ou consentimento dos responsáveis legais nos casos em que esses requisitos representassem risco à vítima. O documento do Conanda também previa que a recusa de profissionais de saúde em realizar o procedimento por duvidar da palavra da vítima seria considerada conduta discriminatória.
Em nota divulgada, o Ministério das Mulheres manifestou preocupação com o resultado da votação e classificou a aprovação como um retrocesso na proteção de meninas e adolescentes. Segundo a pasta, a resolução do Conanda “detalha como aplicar a lei para salvar vidas”, e sua anulação “cria um vácuo que dificulta o acesso das vítimas ao atendimento”.
Os dados que embasam a posição da pasta são alarmantes. Entre 2013 e 2023, o Brasil registrou mais de 232 mil nascimentos de mães com até 14 anos, todas menores de idade e, portanto, vítimas de estupro de vulnerável. Apesar de o aborto ser permitido por lei nesses casos, apenas 154 meninas conseguiram acessar o procedimento em 2023. O ministério também aponta que a gestação forçada é uma das principais causas de evasão escolar feminina e leva à morte de uma menina por semana no país.
A aprovação do PDL ocorre no mesmo dia em que o IBGE divulgou dados mostrando que 34 mil crianças e adolescentes de até 14 anos vivem em união conjugal no Brasil, sendo 77% meninas. Embora essas uniões representem apenas 0,04% do total de casamentos e uniões no país, os números evidenciam a persistência da violência sexual e da naturalização do casamento infantil, prática proibida por lei desde 2019.
No Brasil, o aborto é legal em três situações: quando a gestação é resultado de estupro; quando há risco de vida para a gestante; e nos casos de anencefalia fetal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Nenhuma dessas hipóteses foi alterada pela resolução do Conanda, que, segundo especialistas e entidades de direitos humanos, apenas orientava a rede de saúde sobre como garantir o atendimento previsto em lei.
O projeto ainda precisa ser votado no Senado. Caso seja aprovado, a resolução do Conanda, considerada por organizações feministas e movimentos sociais como fundamental para garantir o atendimento digno e seguro a meninas vítimas de estupro, será definitivamente suspensa.
*Com informações da Agência Brasil e Estadão


