Por Karla Souza
As câmeras corporais da Polícia Militar de São Paulo capturaram o momento em que Victória Manoelly dos Santos (16) foi assassinada durante uma abordagem policial no bairro de Guaianases, Zona Leste da capital paulista. O disparo aconteceu após o sargento Thiago Guerra (39) atingir com uma coronhada o irmão da adolescente, Kauê Alexandre dos Santos Lima. O tiro atingiu Victória no peito e ela não resistiu. O caso, que aconteceu na noite do último 9 de janeiro, se soma a outras ocorrências que reforçam as denúncias sobre o padrão de atuação da polícia em São Paulo, marcado por abordagens violentas e uso excessivo da força.
As imagens mostram que a câmera do sargento inicialmente estava sem áudio, que só foi ativada segundos antes da agressão e do disparo. O vídeo também registra o desespero de Kauê, que vê a irmã baleada, enquanto é algemado e colocado no porta-malas da viatura.
No interrogatório, o sargento alegou que Victória e Kauê fugiram após serem apontados como suspeitos de um roubo. No entanto, o adolescente detido na ocorrência confessou ter cometido o assalto sozinho, negando qualquer participação dos irmãos. O policial foi indiciado por homicídio com dolo eventual e está preso no Presídio Militar Romão Gomes desde fevereiro.
Câmeras corporais
O caso de Victória não é isolado. Registros de outra ação policial, ocorrida em novembro de 2024 na Vila Císper, Zona Leste, revelam que Gabriel Ferreira Messias da Silva foi baleado dentro da viatura da PM. As imagens mostram que, logo após os disparos, um dos policiais orienta o colega: “Vira, vira, vira”, desviando a câmera para uma parede na tentativa de impedir a gravação. Mesmo ferido no chão, Gabriel ainda tenta se justificar: “Sou trabalhador, senhor! Pra quê isso comigo, meu Deus?”.
O boletim de ocorrência afirma que Gabriel teria apontado uma arma para os agentes, versão desmentida pelo próprio vídeo. As imagens mostram um dos policiais chutando uma arma em direção ao corpo do jovem, que só então aparece na cena. A Defensoria Pública elaborou um laudo que atesta que Gabriel não portava arma no momento da abordagem. O Ministério Público determinou o afastamento dos policiais envolvidos, que seguem sob investigação.
Dados divulgados pela Rede de Observatórios da Segurança no relatório “Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão” revelam que as mortes provocadas pela polícia paulista aumentaram 21,7% em 2023. Do total de vítimas, 66,3% eram pessoas negras e mais da metade tinha entre 12 e 29 anos. Informações do Ministério Público, via Gaesp, apontam que, entre 2023 e 2024, o estado registrou o maior número de mortes por intervenção policial da década, com um crescimento de 65%.
Mudança no uso das câmeras corporais dos PMs depende de aval do STF
No início de maio, o governo de São Paulo e a Defensoria Pública fecharam um acordo que altera o funcionamento das câmeras corporais usadas pela Polícia Militar. Pelo novo modelo, os equipamentos serão acionados manualmente pelos próprios policiais ou remotamente pelo Centro de Operações da PM (Copom), e não mais funcionarão com gravação contínua. O que, como demonstrado nos casos recentes, tende a aumentar a letalidade policial.
Conforme a Secretaria da Segurança Pública (SSP), fruto do acordo, a Polícia Militar de São Paulo inicia neste mês de junho o uso de câmeras corporais que dependem do acionamento dos próprios agentes, após acordo firmado no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta primeira etapa, serão distribuídas 2.955 câmeras para unidades operacionais.
A SSP declara que a implantação será escalonada, priorizando áreas de maior risco, conforme critérios técnicos da corporação. A previsão é que 12 mil câmeras estejam em operação até o fim do ano.