Caso Atakarejo completa um ano sem justiça, enquanto proprietário da rede é indicado a Profissional do Ano

Tio e sobrinho foram torturados e executados por um grupo de traficantes após serem entregues por funcionários do Atakadão Atakarejo, em Salvador (BA), onde teriam tentado furtar a carne

Tio e sobrinho foram torturados e executados por um grupo de traficantes após serem entregues por funcionários do Atakadão Atakarejo, em Salvador (BA), onde teriam tentado furtar a carne

Por Andressa Franco*

“É uma ferida que não cicatriza”. É assim que Dona Dionésia Pereira de Barros define a perda do filho, Bruno Barros da Silva, de 29 anos, e do neto Yan Barros da Silva, de 19 anos, em entrevista para o Odara – Instituto da Mulher Negra.

Há exatamente um ano, os nomes de tio e sobrinho ganharam as manchetes do país. Assim como a imagem que mostra os dois sentados no chão de um pátio do supermercado ao lado de quatro pacotes de carne. “Mataram meu filho não foi por causa de carne, foi por causa do preconceito, porque era preto”, afirma.

Os dois foram brutalmente torturados e executados em Salvador (BA). Seus corpos foram abandonados no porta-malas de um carro por um grupo de homens armados. Tio e sobrinho foram entregues, para esse fim, por funcionários da rede de supermercados Atakadão Atakarejo, na loja situada no bairro de Amaralina, onde teriam tentado furtar a carne.

“Avó é mãe duas vezes, eu perdi dois filhos”, ressalta emocionada Dona Dionésia “Eu sei que meu filho errou, mas deveriam ter chamado a polícia. Agora o que eu quero é justiça, mas hoje eu não acuso quem matou não, quem matou foi quem deu a ordem”.

Os familiares relataram que chegaram a receber ligações dos seguranças do supermercado pedindo um resgate de R$ 10 mil para que Bruno e Yan não fossem entregues para traficantes da região. Horas depois, os corpos foram encontrados com sinais de tortura e de perfurações a bala.

Hoje, as lembranças que Dona Dionésia guarda do filho são de um rapaz brincalhão e alegre, querido por todos. Ao neto se refere como um menino inteligente, que adorava internet e tinha planos de trabalhar com internet. Enquanto isso não acontecia, vó e neto já tinham data marcada para irem juntos em busca da habilitação para o rapaz pilotar moto. Yan pretendia começar a trabalhar com entrega para pizzarias.

Não é a primeira vez

Fundada em 1994, a rede de supermercados Atakadão Atakarejo possui 23 lojas na Bahia. O proprietário é o empresário Teobaldo Luís da Costa, de 67 anos, e já foi candidato, pelo DEM, à prefeitura de Lauro de Freitas, município da região metropolitana de Salvador.

Nos próximos dias 27 e 28 de abril, um ano depois da morte de Bruno e Yan, a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) vai realizar a premiação nacional Profissionais do Ano. E Teobaldo é um dos candidatos ao prêmio, representando a empresa, e o estado.

“É um absurdo um mercado que está respondendo pela morte de dois jovens negros ter seu presidente concorrendo a um prêmio”, pontua Hildete Emanuele, coordenadora do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, que acompanha o caso. “Deveria primeiro realizar a reparação às famílias e justiça à toda a sociedade, porque toda a sociedade civil se encontra abalada com esse caso”.

A partir do assassinato de tio e sobrinho, mais uma morte e pelo menos oito casos de tortura envolvendo seguranças da Rede Atakarejo foram identificadas através da mídia. Nesses casos, o método de tortura também foi aplicada como suposta punição por furtos de comida nos mercados da rede. E em nenhum desses casos a polícia foi acionada.

Na época do ocorrido, o Atakadão Atakarejo de Amaralina chegou a informar que afastaria os seguranças envolvidos no caso. Posteriormente, ainda em maio, sete prisões foram feitas por meio da Operação Retomada por suspeita de envolvimento no duplo homicídio. Três seguranças do supermercado, e outras quatro pessoas também suspeitas de tráfico de drogas.

Durante a coletiva de imprensa concedida para falar sobre a operação que realizou as prisões, foi revelado um caso de tortura ocorrido na mesma loja, em outubro de 2020. Três adolescentes, também suspeitas de furto, foram entregues a traficantes do Nordeste de Amaralina, duas das garotas conseguiram escapar e a terceira passou por seções de tortura. Mas, por medo, a vítima não prestou queixa.

Em junho, as Comissões de Reparação e Direitos Humanos da Câmara de Vereadores de Salvador (CMS) fizeram uma reunião conjunta de forma virtual com objetivo de tratar dos assassinatos. Teobaldo foi convidado a participar, mas não compareceu ao encontro. O empresário não tinha obrigação legal de comparecer. E, por meio de nota, o Atakarejo afirmou que o não comparecimento se deu por questões legais.

Mas, as mães dos dois jovens foram na expectativa de ouvir o posicionamento do dono da rede de supermercados e entender o porquê desse tipo de medida acontecer nas dependências de um supermercado que o pertence.

“Um ano sem justiça e sem reparação”

Em agosto do ano passado, uma Ação Civil Pública no valor de R$200 milhões foi ajuizada na Justiça pela Defensoria Pública do Estado da Bahia para que a rede de atacados pudesse “reparar dano moral, social e coletivo causado à população baiana negra e consumidora”.

Se deferida pelo Poder Judiciário, a indenização deverá ser revertida para o estado da Bahia destiná-la para a população negra, em forma de políticas de proteção e prevenção, através da criação de um Fundo Estadual de Combate ao Racismo.

Além da indenização coletiva, a Defensoria solicitou que o Atakarejo elaborasse um plano de combate ao racismo e ao tratamento discriminatório dentro de todas as suas unidades, e de capacitação dos seus funcionários – incluindo terceirizados. Contemplando temas como o tratamento à população carente, a abordagem pacífica, evitando violência verbal ou física, além de formas de combate à discriminação racial de gênero.

A ação foi movida por intermédio da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos. Em nota para a Revista Afirmativa, a DPE informou que foram ajuizadas ações também por organizações da sociedade civil, e foi aberta uma mesa de diálogo no âmbito da Justiça do Trabalho. No entanto, o órgão pediu a suspensão do processo na Justiça comum.

“Após diversas tentativas, não houve conciliação, e a Defensoria pediu o prosseguimento do processo, com a intimação da parte ré (Atakarejo). Ação ainda está pendente de decisão judicial”, completa a nota da DPE, que, atualmente, dá assistência à família de Yan Barros, e moveu ação contra o Atakarejo também solicitando indenização. O processo está em trâmite na 9ª Vara Cível de Salvador, mas corre em segredo de justiça.

A nota informa ainda que a última movimentação do processo aconteceu em 28 de março deste ano, quando a Defensoria reforçou o pedido, em réplica aos advogados do Atakarejo. E ainda está pendente de decisão judicial.

Mas, a DPE não foi a única que tentou levar o Atakarejo à justiça e continua sem sucesso no acordo. Dias depois da morte de Yan e Bruno, uma Ação Civil Pública foi protocolada pelas entidades Centro Santo Dias de Direitos Humanos, a Associação Educafro e o Odara Instituto da Mulher Negra contra a Atakadão Atakarejo, no Tribunal de Justiça de Salvador – BA.

A prioridade, de acordo com a Associação Educafro na época, era requerer ações por danos morais coletivos e sociais e motivar os familiares das vítimas de tortura e racismo a abrirem ações individuais. A exemplo do que foi feito contra o supermercado Carrefour no caso do Beto Freitas, asfixiado até a morte por seguranças do supermercado, em Porto Alegre.

No dia 9 de setembro aconteceu a primeira audiência. O objetivo final das três entidades coautoras do processo é alcançar uma série de medidas reparatórias pelo crime, e destiná-las à população negra da Bahia. A audiência mais recente aconteceu em janeiro deste ano e, para Valdecir Nascimento, então coordenadora executiva do Odara, o processo tem sido essencial para mobilizar o Ministério Público Estadual, a Defensoria Pública Estadual e o Atakarejo.

No entanto, ainda não houve sucesso nas tentativas de acordo. Segundo Hildete Emanuele, o processo está em Fase de Instrução, porque não houve acordo entre o mercado Atakarejo e as entidades. “Está completando um ano do caso sem justiça e sem reparação, precisamos continuar denunciando e pressionando para que a justiça seja feita e para que as famílias sejam indenizadas”, acrescenta.

Hildete Emanuele – Imagem: Instituto Odara/Reprodução

O projeto coordenado por Hildete atua no fortalecimento e promoção da organização política de mulheres mães e familiares de vítimas do Estado. E vem acompanhando o caso e pensando em ações para pressionar o poder público por justiça e garantir que a história não seja esquecida.

Em julho de 2021, a Justiça recebeu a denúncia apresentada pelo Ministério Público estadual contra 13 pessoas envolvidas nas mortes dos jovens. O processo tramita no 1° Juízo da 2° Vara do Tribunal do Júri. Em nota, o MP informou que o extrato de movimentação do processo no site do Tribunal de Justiça indica que a audiência de instrução e julgamento foi designada para o dia 29 de junho deste ano.

*Com contribuição de Patrícia Rosa

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