No Brasil, apesar de ainda engatilhando, os números indicam queda da letalidade policial nas unidades que fazem uso da tecnologia
Por Andressa Franco
Imagem: Reprodução Polícia de Memphis
Está previsto para as 13h30 desta quarta-feira (1) o funeral do motorista Tyre Nichols, de 29 anos, em Memphis, Tennesse. O jovem foi espancado por cinco policiais em uma abordagem, o que levou à sua morte no dia 10 de janeiro. É esperado que o ativista dos direitos civis reverendo Al Sharpton, que discursou no funeral de George Floyd, faça o elogio fúnebre.
Apesar da abordagem violenta que decorreu na morte de Tyre ter acontecido no dia 7 de janeiro, o caso voltou à tona na última semana, quando os vídeos das câmeras corporais nas fardas dos policiais se tornaram públicas.
Os três vídeos da câmera corporal e um de uma câmera de segurança na rua mostram as agressões contínuas sofridas pelo jovem, que foi parado em seu carro voltando para casa em Memphis por um motivo que, segundo o chefe da polícia, não tinha fundamento.
O caso de Tyre Nichols não é isolado, nem nos Estados Unidos, nem no Brasil.
Dados compilados pelo jornal O Estado de S. Paulo com base em números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2018 e do instituto americano Mapping Police Violence de 2019 dão conta de que o simples fato de ser negro torna o risco de ser morto pela polícia 2,9 vezes maior nos Estados Unidos. No Brasil, o risco é 2,3 vezes maior.
O que as câmeras mostram
Tyre foi puxado para fora do carro por um dos oficiais, a corporação alega que a abordagem foi feita sob suspeita de direção imprudente. O rapaz afirma que não fez nada, enquanto um grupo de policiais começa a lutar com ele no chão. Entre as frases repetidas pelo jovem no decorrer da “abordagem” estão “Vocês estão realmente fazendo muito agora”; “Estou apenas tentando ir para casa”; “Pare, eu não estou fazendo nada!”.
Depois de alguns momentos no chão sendo agredido, ele consegue se desvencilhar e correr, um oficial então dispara a arma de choque e começa uma perseguição. Os agentes então espancam o motorista com um cassetete, desferindo socos e chutes, inclusive na cabeça, além de usar spray de pimenta no rapaz, que reage gritando muito e chamando pela mãe. Tyre Nichols então entra em colapso e ainda assim os cinco policiais ficam por cima dele no chão por cerca de 40 segundos.
Leva mais de 20 minutos para que qualquer tipo de atendimento médico seja fornecido, mesmo que dois oficiais do corpo de bombeiros tenham chegado ao local em 10 minutos, com equipamento médico.
[ Vídeo da abordagem disponível no Yotube – Alerta de imagens fortes ]
Entenda a cronologia do caso
A versão oficial da polícia foi de que houve uma discussão, Nichols fugiu a pé, foi perseguido por policiais e outra discussão ocorreu. Depois, o rapaz “queixou-se de falta de ar”. Uma ambulância foi chamada, e ele foi levado para o hospital.
No dia seguinte à abordagem, o promotor distrital do condado de Shelby, Steve Mulroy, pediu que a agência de investigação do estado conduzisse uma investigação sobre uso da força na prisão. No dia 16 de janeiro, quase uma semana depois da morte de Tyre, sua família contratou o advogado de direitos civis Ben Crump, que pediu a divulgação do vídeo das câmeras dos uniformes dos policiais e das câmeras do painel do veículo.
No dia 23 de janeiro, Crump e a família de Nichols assistiram ao vídeo da polícia. No dia seguinte, os dois bombeiros que não prestaram socorro imediato ao rapaz foram afastados. Já os cinco policiais: Justin Smith, Desmond Mills Jr., Emmitt Martin III, Demetrius Haley e Tadarrius Bean, que já haviam sido demitidos, foram acusados de assassinato em segundo grau, agressão, sequestro, má conduta e opressão na última quinta-feira (26).
No mesmo dia, quatro deles foram soltos sob fiança após serem autuados pela prisão no Condado de Shelby.
O vídeo dos uniformes e das câmeras de segurança foram então divulgados ao público na última sexta-feira (27). A ação durou 13 minutos e foram 71 comandos confusos, “impossíveis de serem atendidos”, diz o comunicado da Polícia local.
Após a divulgação, centenas de manifestantes se reuniram em diversas cidades dos Estados Unidos para protestar contra a violência policial. Os protestos pediam para que o policiamento nos Estados Unidos seja modificado. A partir da morte de Tyre, a polícia local decidiu dissolver a unidade especial envolvida no assassinato.
O procurador-geral dos EUA, Merrick Garland, anunciou uma investigação federal de direitos civis sobre a morte de Nichols.
Reforma da polícia nos EUA
Em 2020, a Câmara dos Representantes do EUA aprovou um Projeto de Lei para reformar a polícia: acabaria com a imunidade qualificada para policiais acusados de má conduta, criaria um registro de ações disciplinares, proibiria estrangulamentos e mandados de segurança. O que não se tornou realidade, já que o PL foi engavetado pelo Senado republicano. A morte de Tyre fez ressurgir o debate, e os protestos pressionam que o Congresso aprove a reforma.
Em maio de 2021, o presidente dos EUA, Joe Biden, chegou a assinar uma ordem executiva instituindo uma reforma nas forças policiais, mas apenas às subordinadas ao Executivo federal.
Uso de câmeras corporais no Brasil
Não fossem as câmeras nos uniformes policiais, provavelmente o desfecho do crime cometido pelos agentes americanos seria outro. A ferramenta é utilizada no estado de São Paulo, onde tem bons resultados de aprovação popular. No entanto, o governador eleito em outubro de 2022 Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou durante campanha que irá retirar as câmeras corporais dos policiais.
Em 2021, a Polícia Militar do estado matou 423 pessoas em supostos confrontos, segundo dados da Corregedoria da Polícia Militar. No ano anterior, foram 659. Não por acaso, a queda de 36% aconteceu no período do uso de aproximadamente três mil câmeras pela corporação.
Outros estados, como Pernambuco, Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina e Amapá, também já anunciaram projetos-pilotos com câmeras nos uniformes de seus agentes.
Na Bahia, durante o ato de posse dos (as) secretários (as), o governador eleito, Jerônimo Rodrigues (PT), afirmou que haverá implantação de câmeras nos uniformes dos agentes policiais para monitorar o trabalho e ações desses profissionais da segurança pública.
Das 2.061 operações realizadas no estado entre julho de 2020 e junho de 2022, 330 pessoas foram mortas, o que representa uma letalidade de 16%. Os números são do levantamento Raio-x das Ações de Policiamento foi feito pela Rede de Observatórios da Segurança, e coloca a Bahia no topo do ranking dos cinco estados analisados.
A mesma organização publicou em novembro de 2022 o boletim Pele alvo: a cor que a polícia apaga. De acordo com o estudo, também na Bahia, de 616 pessoas mortas em decorrência de intervenção de agentes do Estado em 2021, 603 eram negras. O número representa 97,9% dos casos, quando descartados os casos em que a raça da vítima não é informada. Trata-se do maior percentual entre os sete estados monitorados pela Rede.
Apesar do anúncio do governador Jerônimo Rodrigues no dia 3 de janeiro sobre a apresentação de um plano de ação nos “próximos dias”, nenhum plano foi apresentado ainda. A compra dos equipamentos passa por um processo licitatório, no entanto, não há data para a implantação.