Apesar de a certificação ter acontecido apenas agora, já havia reconhecimento por parte da comunidade. Empresa de Armínio Fraga e José Roberto Marinho tenta construir resort no território.
Por Andressa Franco
Imagem: BoipebaTur
A Comunidade de Boipeba, localizada no município de Cairu, na região Baixo Sul da Bahia, foi reconhecida e certificada pela Fundação Cultural Palmares como remanescente de quilombo. A medida foi publicada no Diário Oficial da União da última quarta-feira (20).
Na ilha de Boipeba vivem hoje quatro comunidades: Boipeba, Moreré, Monte Alegre e Cova da Onça. Há um mês, a comunidade de Moreré também foi certificada. Já a comunidade de Monte Alegre, é certificada como quilombola pela fundação desde 2006. A comunidade de Cova da Onça não reivindica serem remanescentes de quilombo.
Apesar da certificação ter acontecido apenas agora, já havia reconhecimento por parte da comunidade. Trata-se de uma das regiões povoadas mais antigas na ilha e preserva muitas tradições da cultura afrodescendente nas manifestações artísticas, religiosas e na forma de viver.
“Somos gerações de 300 anos. Só minha mãe aqui tem quase 80 anos, ela vem de uma linhagem de pescadores e marisqueiras criados na ilha, é uma das fundadoras de Moreré.”, declara João Batista, pescador que integra a Associação Quilombola de Moreré.
Com a certificação, as comunidades também passam a ter acesso a políticas públicas específicas e podem requerer a titulação das terras em que vivem junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Comunidade luta contra construção de resort
A notícia da certificação deu novo fôlego para os moradores na luta contra a construção de um resort no território. A tentativa de empreendimento é da empresa Mangaba Cultivo de Coco LTDA, coberta de negligências judiciais e fundiárias. As investidas começaram em 2014, e se intensificaram em março deste ano, quando o INEMA – Instituto Do Meio Ambiente e Recursos Hídricos autorizou a licença para construção do megaempreendimento, contrariando o Ministério Público Federal (MPF).
A Mangaba Cultivo de Coco LTDA tem entre os seus sócios o ex-presidente do Banco Central (BC), Armínio Fraga, e o presidente do Grupo Globo, José Roberto Marinho.
O resort que ocuparia 20% da Ilha de Boipeba. Pelo projeto, o condomínio teria duas pousadas de 25 quartos, outras 25 casas, pista de pouso, uma marina de médio porte para desembarque de lanchas e motos aquáticas, além de um campo de golfe de 370 hectares.
Conhecida nacionalmente por suas paisagens naturais, o turismo é a principal atividade econômica das famílias que vivem na comunidade. Mas a população local defende o turismo de base, não predatório. “Esse projeto vai privatizar o Rio Castelhano, utilizado para pesca e passeios ecológicos; vai fechar caminhos tradicionais; desmatar árvores centenárias; expulsar animais; tomar as terras onde plantamos. Isso não cabe em uma APA! Já temos nossa forma de vida e vivemos bem. Não precisamos trabalhar em resort.”, rechaçou João Batista em entrevista à Afirmativa em abril.
As fragilidades jurídicas e fundiárias no território são antigas. Há décadas os moradores são vítimas de grilagem e sofrem com conflitos socioambientais por especulação turística e imobiliária.
Em abril a Afirmativa ouviu moradores da comunidade e especialistas para entender o histórico de tentativas de diferentes empresários e políticos de se apropriar do território. Acesse a reportagem especial aqui.
Em outubro, chega ao fim a prorrogação de 90 dias da suspensão da liberação da obra para construção do resort de luxo, confirmada pela SPU no dia 9 de julho.
Vale destacar que, de acordo com a Constituição de 1988: “Toda ilha oceânica e terreno de marinha são bens da União”. Além disso, Boipeba é considerada APA (Área de Proteção Ambiental). A Superintendência do Patrimônio da União (SPU) é a responsável por fiscalizar a área.