A Casa aprovou ainda a medida provisória que altera a Lei da Mata Atlântica e flexibiliza ferramentas de controle ao desmatamento no bioma.
Por Andressa Franco
Imagem: Matheus Veloso
A última quarta-feira (24) foi classificada por lideranças e movimentos indígenas como um dia de desmonte da política indígena do Brasil. Foi aprovado por 15 votos a favor e três contrários o relatório do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) a respeito da Medida Provisória da reforma administrativa (MP 1154/2023).
A medida esvazia o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério dos Povos Indígenas. Isso porque, a Agência Nacional de Águas e Cadastro Ambiental Rural serão transferidos para o Ministério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento (MAPA). Assim como a Demarcação de Terras Indígenas, atribuição do recém criado Ministério dos Povos Indígenas, volta para o Ministério da Justiça.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, passou cerca de cinco horas em audiência na Câmara na quarta-feira, em uma tentativa de evitar a aprovação.
“Se nós destruirmos a legislação ambiental brasileira, as janelas de oportunidades serão fechadas. Porque nesse momento não basta a credibilidade do presidente Lula, não basta a ministra do Meio Ambiente, eles vão olhar para o arcabouço legal”, alertou.
Conflito de interesses no governo
Para José Augusto Sampaio, associado fundador da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), a aprovação da MP é um fato explícito do conflito de interesses que há no próprio governo. “É claramente o resultado de uma ação para reduzir a importância, o espaço político do Ministério dos Povos Indígenas.”
Apesar de não acreditar que a atual gestão do Ministério da Justiça, de competência do ministro Flávio Dino, tenha interesses claramente contrários ao ministério dos Povos Indígenas, o ativista não vê sentido em retirar a atribuição de demarcar as terras indígenas da pasta na qual a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) está vinculada.
“Todo o processo de demarcação se inicia, é tramitado e tem as contestações respondidas na Funai. E na fase de aprovação final esse processo iria para um ministério onde ela não está vinculada e que não acompanhou o processo. É absurdo”, explica.
O indigenista expressa uma preocupação ainda maior com o Ministério do Meio Ambiente, onde a mudança de atribuições para o MAPA é mais explícita. Isso porque a pasta está sob o comando de Carlos Fávaro (PSD), que chegou a tentar ser líder do ex-presidente Jair Bolsonaro no Senado.
“O que aconteceu no Congresso é um desmonte da pauta ambiental e dos povos indígenas. O presidente Lula disse reiteradamente em sua campanha que daria atenção prioritária à pauta ambiental e indígena. Inclusive como prioridade da sua política internacional. Na prática está se vendo que não”, pondera.
A justificativa para a decisão ter sido apoiada por parlamentares governistas, apesar das críticas, foi o prazo para votar a medida, que vence no dia 1 de junho. Caso fosse perdido o prazo, a configuração ministerial voltaria a ser a do governo anterior.
Ainda assim, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, se manifestou contrária à MP em seu Twitter, onde afirmou que a medida anula a representação brasileira no enfrentamento da crise climática e preservação ambiental.
“Não são só as demarcações das terras não demarcadas que fica comprometida. A proteção das já demarcadas fica absolutamente vulnerável com a aprovação dessa MP”, completa Guga.
Marco temporal em regime de urgência
A Câmara dos Deputados também aprovou o requerimento de urgência para votar o Projeto de Lei 490. O PL inclui na constituição a tese do Marco Temporal, ou seja, passa a considerar o ano de 1989 como marco para o reconhecimento da ocupação dos territórios indígenas, desrespeitando o direito originário à terra.
A decisão também despertou diversas manifestações. A própria Sônia Guajajara classificou a transferência da competência da demarcação das terras indígenas para o Congresso como um “equívoco perigoso”. De acordo com a ativista, a medida coloca em risco direitos dos povos indígenas e abre espaço para influências políticas e interesses econômicos prevalecerem sobre direitos ancestrais.
“O Marco Temporal é um genocídio legislado. Uma teoria que inverte toda história do Brasil. Um projeto de lei que atenta contra constituição brasileira. Um atentado ao direito dos povos Indígenas. Um ataque a nossa maior possibilidade de enfrentamento da crise climática, as TI’s.”, escreveu.
A deputada federal Célia Xakriaba (PSOL), em um vídeo após a decisão, criticou os deputados que votaram a favor do requerimento de urgência para votar o PL. “Quem usa a caneta para assassinar direitos, na verdade só sofisticaram as armas, mas a intenção de matar não”, desabafa.
Para Guga, a aprovação do período de urgência para o PL 490 é ainda mais grave do que a MP 1154.
“Sinaliza que o Congresso quer aprovar a todo custo a tese do marco temporal. E que os movimentos indígenas não estavam enganados ao ter uma expectativa positiva em relação ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque é evidente para qualquer jurista minimamente qualificado que o marco temporal é inconstitucional.”, ressalta.
Em seu artigo 231, a Constituição reconhece “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
Assim, o fundador da Anaí acredita que a tese do marco temporal não passa de um artifício para suprimir esses direitos. Logo, não seria aprovado no STF, mas tem conseguido apoio no Congresso, devido à influência da chamada Bancada BBB: da bala, do boi e da bíblia.
“Se essa lei for aprovada, vai render uma ação direta de inconstitucionalidade. Mas será mais um longo período de entrave à demarcação. Enquanto isso a boiada vai passando, as invasões acontecem, e aumenta a tensão e criminalização dos povos indígenas”, finaliza.
Para completar a lista de desmontes da quarta-feira (24), a Casa aprovou ainda a medida provisória que altera a Lei da Mata Atlântica e flexibiliza ferramentas de controle ao desmatamento no bioma.