Por Karla Souza
Aos 82 anos, Romilda Silva da Conceição é um exemplo de determinação e superação. Em outubro, ela surpreendeu ao participar da segunda fase da 19ª edição da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Estudante do 7º ano do ensino fundamental do Programa de Educação para Jovens e Adultos (EJA) no município de Feira de Santana, Romilda foi premiada com uma medalha após realizar a prova ao lado de alunos de diferentes idades. Sua trajetória de retorno aos estudos não é apenas uma conquista individual, mas também um símbolo de resistência contra as desigualdades educacionais que ainda marcam o Brasil.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD), realizada pelo IBGE, em 2023, o País tinha 9,3 milhões de analfabetos, ou 5,4% da população. Esse índice é ainda mais grave quando se observa a situação de pessoas com mais de 60 anos, cuja taxa de analfabetismo chega a 15,4%, quase três vezes a média nacional. A desigualdade racial agrava ainda mais esse cenário, com 22,7% de idosos negros analfabetos, enquanto a taxa entre brancos é de 8,6%. Analisando as estatísticas, é possível entender por que a vitória de Dona Romilda é ainda mais significativa.
Romilda nasceu e cresceu em Santo Estevão, interior da Bahia, onde teve uma infância marcada pelo trabalho na roça e a falta de oportunidades educacionais. Depois de se casar aos 25 anos e criar seus seis filhos, ela deixou os estudos de lado para cuidar da família. Apenas em 2023, inspirada pela neta que havia ingressado na faculdade, Romilda decidiu retomar sua educação formal.
O retorno à sala de aula foi um desafio, mas também um renascimento. No EJA, Romilda encontrou apoio de professores e colegas que a incentivaram a seguir em frente. Seu esforço a levou a participar da OBMEP, onde foi premiada pela dedicação e capacidade. “Quando soube que tinha ganhado a medalha, nem acreditei. Foi um momento de muita alegria para mim e minha família”, comemora.
A vigorosa estudante dialogou com a Afirmativa sobre sua trajetória na educação até o atual momento.
Revista Afirmativa: Dona Romilda, como a senhora descreveria a sua infância e a relação com a educação?
Romilda Silva da Conceição: Eu comecei a estudar quando era nova, lá em Santo Estevão, mas sempre tinha que ir trabalhar na roça com meu pai. Quando chegava a noite, eu estava tão cansada que não conseguia estudar direito. Depois, me casei, vim para Feira de Santana e criei meus filhos: Raílda, Raíneide, Rainalva, João, Rainê e Alcir. Só voltei a estudar ano passado.
R.A.: O que a motivou a retomar os estudos após tanto tempo?
R.S.C.: Quando minha neta foi para a faculdade, eu pensei: agora é a minha vez. Sempre tive vontade de aprender mais, mas nunca dava tempo. Agora, eu quero estudar para poder ler e escrever bem. Quero assinar meu nome direito e entender o que leio.
R.A: Como foi receber a notícia da sua premiação na OBMEP?
R.S.C.: Eu estava na sala de aula quando a diretora chegou e disse que eu tinha ganhado uma medalha. Fiquei surpresa e muito feliz! Quando contei para meus filhos, eles ficaram orgulhosos. O primeiro a saber foi o João. Ele tirou foto e mandou para todo mundo.
R.A.: Qual é a importância da educação para você?
R.S.C.: A educação muda tudo. Eu sempre dizia para meus filhos que eles precisavam estudar. Mesmo sem saber ler direito, eu fazia de tudo para matricular eles na escola. Agora é minha vez, e estou aprendendo coisas que nunca imaginei.
R.A.: Como tem sido a reação das pessoas ao seu redor ao vê-la de volta à escola?
R.S.C: No começo, muita gente dizia que eu era velha demais para estudar. Mas, depois que me viram na sala de aula, muitos mudaram de ideia. Alguns que tinham parado de estudar decidiram voltar, dizendo que se eu, com 82 anos, posso, eles também podem. Tinha outros alunos que se achavam velhos para estudar, mas eles me veem e percebem que eu sou a mais velha e estou lá na escola.
R.A.: Que mensagem a senhora gostaria de deixar para outras pessoas da sua idade que pensam em voltar a estudar?
R.S.C: Nunca é tarde para aprender. Enquanto a gente tem vida, tem esperança. Não importa a idade, sempre vale a pena estudar. Eu me sinto mais viva agora, e quero continuar aprendendo cada vez mais.