[et_pb_section admin_label=”section”][et_pb_row admin_label=”row”][et_pb_column type=”4_4″][et_pb_text admin_label=”Texto”]
“Garota, os negros não conseguem órgãos, eles dão órgãos”, disse um senhor afro-americano que trabalhava no setor de nefrologia. “Eu nunca teria um procedimento feito aqui, eu já vi muito. Para eles, se você é negra e pobre, você não passa de uma cobaia” continuou.
Esta passagem acima é do livro Medical Apartheid (2007), que comecei a ler, mas acho que não terminarei por conta do seu peso revelador. O livro vai tratar das práticas médicas racistas no atendimento as pessoas negras e as experiências nos corpos negros (cobaias) para encontrar tratamentos e cura de doenças desde a era da escravidão até os dias de hoje.
Escrito pela pesquisadora Harriet A. Washington, levanta vários questionamentos sobre as práticas médicas e as questões raciais, por exemplo sobre as experimentações de “Dr. Sims: Pai da Ginecologia” e suas cirurgias ela indaga “era um salvador ou um sádico? Isso depende da raça/cor/etnia das mulheres pra você saber”.
O livro denuncia que os centros de pesquisa universitários americanos foram historicamente localizados em áreas urbanas, onde possuíam letalidade inaceitavelmente elevada. Nestes lugares eram matriculados para os experimentos população negra e pobre que sem seu consentimento ou conhecimento, que enquanto inconscientes eram submetidos a procedimentos cirúrgicos e injetados com substâncias tóxicas, em vez de serem tratadas das doenças mortais (Medical Apartheid, 2007).
As práticas iatrogênicas, as negligências e ausência de tratamento e cuidado se apresentam sempre em um corpo negro, assim como outros corpos não brancos. Estes corpos são autorizados para serem invadidos excessivamente ou ausente de tudo.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) realizou um estudo sobre transplante de órgãos intitulado: “Desigualdade de transplantes de órgãos no Brasil: Análise do perfil dos receptores por sexo e raça ou cor”, utilizando dados do Sistema Nacional de Transplante (SNT) do Sistema Único de Saúde (SUS).
E o estudo demonstrou que a população negra são mais doadores que receptores de órgãos. Uma pessoa negra receber menos órgãos pode estar associado ao conjunto de fatores, inclusive o racial. A falta de acesso aos serviços de saúde especializados, procedimentos pré-operatórios, exames de alta complexidade e o próprio estado de saúde, assim como situações que estão justificadas pela desigualdades raciais e pelo racismo institucionalizado.
Nos Estados Unidos a Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO, 2004) revela que pacientes brancos com insuficiência renal crônica esperariam em média 675 dias para receber um transplante, enquanto pacientes negros esperariam em média 1.603 dias. Os afro-estadunidense teriam menos da metade de probabilidade que os brancos têm de receber um transplante de rim.
O relatório elenca as mesma dificuldades que acontecem no Brasil, no entanto destaca o racismo como um fator essencial ao explicar a exclusão da população negra no transplante “base para essa exclusão era a percepção de falta de valor do transplante face à realidade da escassez. Um órgão valioso salvando uma vida sem valor” (JCAHO, 2004), ou seja, um empenho para a realização de um procedimento de alto custo para as pessoas negras seria um “desperdício”.
Em um dos casos do JCAHO (2004), o paciente “MR. B, um afro-americano de 62 anos de idade, com falência renal, recusou, repetidas vezes, ser colocado em diálise (…) Ele respondeu: ‘todos sabem que os pacientes negros e os pobres são postos em diálise e que os pacientes brancos recebem transplantes’”.
“Nenhum outro grupo desconfia mais do sistema médico americano do que os afro-estadunidenses, especialmente para pesquisa médica” (Medical Apartheid, 2007).
As decisões médicas e dos profissionais de saúde no momento da realização de procedimento pode passar por critérios que não estejam relacionados a patologia em si, mas sim a pessoa que será beneficiada pelo procedimento e neste sentido fatores como raça/cor, sexo, idade, status socioeconômico poderão determinar o tratamento independente do diagnóstico.
Genocídio: jovens negros são potenciais doadores
As mortes por causas externas tem impacto importante no sistema de transplantes, pois aumentam o número de órgãos para transplantes provenientes de pessoas saudáveis e jovens. Neste sentido, como o genocídio negro impera no Brasil, a vida de milhares de jovens negros, todos os anos, se torna órgãos disponíveis para a doação.
No entanto, quando olhamos proporcionalmente, se a população negra compõe mais 50% da população, também é a população que morre mais por causas externas, deveria então, logicamente, ser a receptora em maior proporção dos transplantes de órgãos. Sim, mas o racismo não entra nesta conta matemática e nem se explica logicamente.
Há poucas pesquisas que aborde a relevância do racismo na lógica das doações. Na verdade, eu só conheço esta citada no texto, que revelam as desigualdades raciais no Sistema de Transplante no Brasil. O registo da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), a única vez que apresentou dados desagregados por raça/cor foi em 2007. Este campo não está coberto pela nossa incidência política de controle social em saúde, precisamos nos aproximar e investigar.
Referencias
HARRIET A. WASHINGTON. Medical apartheid: The dark history of medical experimentation on black americans from colonial times to the present. 2007.
JOINT COMMISSION ON ACCREDITATION OF HEALTHCARE ORGANIZATIONS (JCAHO). Health care at crossroads: strategies for narrowing the organ donation gap and protecting patients. Estados Unidos, 2004.
MARINHO, A.; CARDOSO, S. de S.; ALMEIDA, V. V. de. Desigualdade de transplantes de órgãos no Brasil: análise do perfil dos receptores por sexo e raça/cor. Brasília, DF: IPEA, 2011.
[/et_pb_text][/et_pb_column][/et_pb_row][/et_pb_section][et_pb_section admin_label=”Seção” global_module=”286″ fullwidth=”off” specialty=”off” transparent_background=”off” allow_player_pause=”off” inner_shadow=”off” parallax=”off” parallax_method=”off” padding_mobile=”off” make_fullwidth=”off” use_custom_width=”off” width_unit=”on” make_equal=”off” use_custom_gutter=”off”][et_pb_row global_parent=”286″ admin_label=”Linha”][et_pb_column type=”1_3″][et_pb_image global_parent=”286″ admin_label=”foto de emanuelle góes” src=”https://revistaafirmativa.com.br/wp-content/uploads/2018/03/emanuelle_goes.jpg” show_in_lightbox=”off” url_new_window=”off” use_overlay=”off” animation=”left” sticky=”off” align=”left” force_fullwidth=”off” always_center_on_mobile=”on” use_border_color=”off” border_color=”#ffffff” border_style=”solid”]
[/et_pb_image][/et_pb_column][et_pb_column type=”2_3″][et_pb_text global_parent=”286″ admin_label=”Texto” background_layout=”light” text_orientation=”left” use_border_color=”off” border_color=”#ffffff” border_style=”solid”]
Emanuele Góes
Feminista negra, pesquisadora, enfermeira, blogueira, doutoranda em Saúde. Estuda Saúde Reprodutiva das mulheres negras com o foco na Intersecção do Racismo e do Sexismo. “Sonho com dias melhores pra todas e todos, adoro as artes, especialmente Cinema e Música. As madrugadas me inspiram tal como a Lua cheia, escrevo poesia para desaguar, mas os números são meus aliados”.
[/et_pb_text][/et_pb_column][/et_pb_row][/et_pb_section]