Debates sobre Reparação e Bem Viver, mapeamento das articulações nos estados e diálogo com a filantropia marcam o fim do Encontro de Mulheres Negras do Nordeste 

Cerca de 200 ativistas dos nove estados da região se reuniram entre os dias 6 e 8 de dezembro para definir estratégias para a 2ª Marcha de Mulheres Negras no Brasil

Por Andressa Franco e Patrícia Rosa

Chegou ao fim na tarde do último domingo (8) o Encontro Regional de Mulheres Negras do Nordeste em Marcha por Reparação e Bem Viver, realizado pelos Comitês impulsores Nacional e Regional da Marcha, em Recife (PE), com a presença de cerca de 200 ativistas de toda região Nordeste. O encontro, iniciado na sexta-feira (6), proporcionou um conjunto de trocas de experiências sobre articulação, formação e fortalecimento para que cada mulher voltasse para seus estados mais preparadas para o desafio que nos propomos: Marchar por Reparação e Bem Viver, com 1 milhão de mulheres negras, no dia 25 de novembro de 2025, em Brasília.

Durante a tarde do sábado (7), um aulão sobre os temas da Marcha foi ministrado por Jadiele Berto, ativista do movimento de mulheres negras da Paraíba, e Gabriela Ramos, coordenadora do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, do Odara – Instituto da Mulher Negra.

As facilitadoras se debruçaram sobre o conceito de Bem Viver, enquanto um conjunto de princípios para construção de um futuro possível, fortalecido a partir da aliança entre povos negros e indígenas, onde toda diversidade da sociedade brasileira seja contemplada. Para alcançar esse novo pacto civilizatório,  é preciso reparar as violações e violências frutos de quase 400 anos de  trabalhos forçados de africanos sequestrados e escravizados, como base da economia colonial, cujas consequências continuam atravessando a população negra brasileira.

“Reinventar uma nação e recriar o pacto civilizatório é a nossa missão nesse tempo. É o que temos para fazer, para dar a nossa contribuição para essa utopia”, ressaltou Gabriela. 

A apropriação desse conceito pelas grandes empresas foi pautada pelas facilitadoras, que reforçaram a importância de disseminar o conhecimento sobre o conceito para que a temática não seja esvaziada e capturada pelas grandes empresas.

“São construções muito caras, que vamos precisar debater em casa,  no ônibus, no trabalho, até na academia. Precisamos nos apropriar mesmo porque ele é nosso”, reforçou Jadiele.

Aulão sobre Reparação e Bem Viver é conduzido por Jadiele Berto e Gabriela Ramos / Imagem: Erlânia Nascimento

Justiça social, igualdade, harmonia com a natureza, cuidado com a comunidade, valorização da diversidade cultural, autonomia, soberania, espiritualidade, relação equilibrada entre trabalho e lazer, estão entre os valores do Bem Viver defendidos durante o aulão. Neste último ponto, as ativistas lembraram da importância da redução da jornada de trabalho e do fim da escala 6×1, uma proposta de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL). “Essa linguagem de desenvolvimento, não coagula com a ideia de Bem Viver. A gente pensa, dentro da nossa ideia de nação, que nós poderíamos agregar um novo modelo econômico”, avalia Gabriela. 

Entre as intervenções na plateia, a ativista Valdecir Nascimento refletiu sobre a importância  que este projeto de modelo econômico que sonhamos dialogue com as relações de trabalho e como elas se estabelecem.

“Talvez o nome não seja desenvolvimento, porque o nome desenvolvimento está muito impregnado de uma lógica associada ao capital. Você só pensa nesse movimento como predatório. Como a gente reorganiza as sociedades sem que seja baseado em centrar uma perspectiva capitalista?”, questiona.

Ao apresentar possíveis medidas de reparação, Gabriela Ramos demarcou a importância de entender que políticas públicas e ações afirmativas não são suficientes para reparar a dívida que o Estado brasileiro, Estado português e demais países que contribuíram com a colonização e escravidão, Igreja Católica, além de famílias escravistas-coloniais têm com os povos negros do Brasil e do mundo.

“Podemos considerar que a ação afirmativa é uma política pública, que contribui um pouco para o processo de reparação, ela é isolada, então não é reparação”. Memória e verdade, reparações, justiça e igualdade perante a lei, e reformas institucionais, estiveram entre as dimensões exploradas por Jadiele e Gabriela para alcançar a reparação. “Se a gente não tiver consolidado uma memória sobre a escravidão, a gente não vai conseguir dizer fundamentalmente o que precisa se reparar”, alertou a ativista do Odara.

Para encerrar o segundo dia de encontro, as ativistas se reuniram em grupos por estados para compartilhar como tem se dado a organização em seus municípios, comitês e coletivos, dividindo as estratégias adotadas para mobilizar os recursos necessários para chegar até Brasília.

A Filantropia comprometida com a Marcha das Mulheres Negras

A última atividade do final de semana promoveu um diálogo com representantes da filantropia. Na manhã do último domingo (8), uma mesa composta por representantes da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Fundo Agbara e Fundo Baobá para Equidade Racial debateu um dos temas centrais para a realização da Marcha: os recursos para levar 1 milhão de mulheres negras para Brasília no dia 25 de novembro de 2025.

“A sociedade que iremos criar também é boa para a filantropia, e a filantropia precisa entender qual é o seu papel político. Não é caridade”, declarou Valdecir Nascimento, fundadora do Odara – Instituto da Mulher Negra, que mediou a conversa.

Diálogo com Representantes das Filantropia sobre Estratégias de Mobilização de Recursos para Chegar até Brasília / Imagem: Erlânia Nascimento

Nesse contexto, Rosana Fernandes, assessora de projetos da CESE, chamou atenção para a diferença entre financiadores que apenas depositam recursos em projetos de coletivos e organizações, e os que assumem as lutas desses movimentos. A assessora também apresentou a principal alternativa para captar recursos através da CESE: o Programa de Pequenos Projetos, que apoia iniciativas que sejam pontuais, isto é, tenham início, meio e fim e não dependam da continuidade do apoio. Como oficinas, encontros, seminários, produção e veiculação de materiais informativos como cartilhas, cartazes, livros, vídeos, materiais impressos ou digitais, ações de comunicação, entre outras.

“A CESE continua apoiando projetos o ano inteiro. O que a gente não pode fazer é mandar o projeto na semana da Marcha. Vamos fazer esse combinado”, ponderou. Na próxima sexta-feira (13), às 14h, a CESE vai realizar uma live para explicar em detalhes quais os critérios para encaminhar os projetos, e tirar possíveis dúvidas.

Durante a mesa, o Fundo Baobá também anunciou o apoio de R$ 1 milhão e 350 mil reais para a Marcha, o que foi comemorado pelas participantes. “O Fundo Baobá reafirma o seu compromisso com a luta de equidade racial e enfrentamento ao racismo, ao apoiar a Marcha de Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver em 2025. E anuncia aqui no Encontro Regional do Nordeste que para a Marcha de 1 milhão de mulheres, o Fundo Baobá se compromete a aportar o valor total de R$ 1 milhão e 350 mil”, anunciou Caroline Almeida, assessora executiva do Fundo.

O recurso será distribuído em três frentes: o Comitê Nacional será contemplado com R$ 350 mil; cada um dos 26 estados do país será apoiado com R$ 25 mil, além de um aporte voltado especificamente para as mulheres quilombolas, no valor de R$ 225 mil.

“De todos os apoios que o Baobá fez até agora, cerca de 70% foram para mulheres ou para iniciativas lideradas por mulheres. Isso diz muito de quem está à frente da luta, na vanguarda de pensar as mudanças para a nossa sociedade, e um projeto político para o país”, completou Tainá Medeiros, coordenadora de projetos do Fundo Baobá.

Fechando a mesa, Débora Paixão, que atua na captação de recursos do Fundo Agbara, criticou a concentração de recursos no Sudeste do país, além da burocracia dos editais que impedem que mais organizações de mulheres negras acessem esses recursos.

“É preciso eventos como esses para que fundações e empresas de fora ouçam nossas demandas. A gente não tem medo de falar de dinheiro, porque é preciso para colocar na rua nossas demandas e potencializar nossas soluções”, refletiu.

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