Da Redação
Organizações de Direitos Humanos e familiares de Evaldo Rosa, músico que teve seu carro alvejado com 257 tiros por militares do Exército em 2019, acionaram a ONU (Organização das Nações Unidas) para questionar o fato de a Justiça Militar ser responsável pelo julgamento do caso. O argumento é de que “falta independência e capacidade técnica” à corte.
Os oito agentes responsáveis pelo assassinato de Evaldo, e do catador de recicláveis Luciano Macedo, foram condenados a penas que variam de 28 a 31 anos e seis meses de prisão, em primeira instância. No entanto, a defesa pede a anulação da decisão em um recurso que deve ser apreciado pelo Superior Tribunal Militar (SMT), ainda este mês.
O relator do recurso que está sendo julgado, o ministro-brigadeiro Carlos Augusto Amaral de Oliveira, votou pela absolvição dos militares, e ainda propôs a redução das penas de 31 para apenas três anos. Sua justificativa foi que os militares não tinham interesse em matar as vítimas. Ele foi acompanhado em seu voto pelo ministro-revisor José Coêlho Ferreira. Mas o processo foi interrompido em fevereiro deste ano após a ministra Maria Elizabeth pedir vistas, ou seja, mais tempo para analisar o caso.
O caso aconteceu no bairro de Guadalupe, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ). Os militares afirmaram que confundiram o carro utilizado pelo músico com um veículo que teria sido usado em um roubo, como se isso pudesse justificar as centenas de disparos em uma via pública, em plena luz do dia, numa área de movimento comum, expondo ainda mais o risco para civis no local.
Na denúncia, as entidades e familiares pedem que que a ONU recomende ao Estado brasileiro uma “investigação independente, célere, transparente e imparcial, conduzida por órgão autônomo, alheio às forças de segurança e instituições públicas envolvidas na operação”. Assinam o documento a Conectas Direitos Humanos, o Instituto de Defesa da População Negra, o Odara – Instituto da Mulher Negra e Justiça Global.
“A condução na investigação e no julgamento dos militares assassinos do músico Evaldo dos Santos e o do catador de recicláveis Luciano Macedo, demonstram a violenta repressão aos negros, aos pobres e aos trabalhadores pelo Estado brasileiro em contraste a uma leniência e tolerância às violências praticadas por agentes estatais, especialmente militares”, continua a denúncia das entidades e familiares de Evaldo à ONU.
O documento pede ainda que a organização questione o Estado brasileiro sobre “quais foram os protocolos empregados para prevenir o uso de força letal e a vitimização da população civil, especialmente de pessoas negras”.
Relembre o caso
No dia 7 de abril de 2019, um comboio com 12 militares se deslocava do 1º Batalhão de Infantaria Motorizada Escola para os apartamentos funcionais do Exército em Guadalupe, no Rio de Janeiro (RJ).
No caminho, os agentes flagraram o roubo de um Honda City. Eles então tentaram perseguir o Ford Ka onde parte do grupo criminoso fugiu e, no caminho, encontraram outro carro semelhante, que passava na área do local do crime. Nesse veículo estava Evaldo, a caminho de um chá de bebê. A bordo estavam ainda seu sogro, no banco do passageiro, e a esposa, o filho de sete anos e uma amiga nos bancos traseiros.
Os militares dispararam 257 tiros de fuzil contra o carro, dos quais acertaram 62. Evaldo foi atingido por nove deles. O catador de recicláveis Luciano Macedo, que passava pela região, se aproximou para tentar socorrer Evaldo. Mesmo desarmado e tentando prestar auxílio, ele também foi alvo de uma sequência de tiros de fuzil, e morreu no hospital dias depois.