Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Especialistas apontam que PEC da Anistia dos Partidos põe em risco candidaturas negras

Dentre as medidas que passam a valer a partir de agora está a destinação de 30% dos Fundos Eleitoral e Partidários às candidaturas negras, indo contra a regra de proporcionalidade definida pelo TSE e STF

Por Elizabeth Souza

O Congresso Nacional promulgou no último dia 22 de agosto a Emenda Constitucional 133, fruto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 9/2023, conhecida como PEC da Anistia. A nova regra despreza os avanços que pautam a representatividade negra nos espaços políticos, além de criar mecanismos que podem perdoar cerca de R$ 23 bilhões em infrações eleitorais cometidas por partidos.

A celeridade e indiferença aos clamores da sociedade civil foram pontos em comum durante as votações no Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, a PEC da Anistia foi aprovada em dois turnos no dia 11 de julho. Na 1ª votação, o placar foi de 344 votos a favor e 89 contra; na segunda, o placar ficou 338 favoráveis e 83 contra. 

No Senado Federal também foram realizados dois turnos, em 15 de agosto. O 1º alcançou 51 votos favoráveis e 15 contrários, enquanto no segundo turno  54 senadores foram a favor e 16 contra. “A PEC da Anistia, ou PEC da vergonha, faz com que o Brasil tenha por muito mais tempo um parlamento masculino e branco. Esse perfil vai continuar tomando decisões sobre os rumos do nosso país”, critica Cida Bento, psicóloga, ativista, conselheira do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e autora do livro “O Pacto da Branquitude”. 

Cida Bento, psicóloga, ativista, conselheira do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e autora do livro “O Pacto da Branquitude” – Imagem: Divulgação

Representatividade ameaçada

A nova  emenda define que os partidos destinem 30% dos Fundos Eleitoral e Partidários às candidaturas negras, em um explícito desmonte dos direitos conquistados recentemente através de reivindicações históricas dos movimentos negros. Em 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) tinham determinado que a distribuição do Fundo Eleitoral aconteceria proporcionalmente ao quantitativo de candidatos negros, o que poderia superar os 30% atualmente estipulados. A medida havia sido estabelecida após uma consulta eleitoral formulada pela deputada federal Benedita da Silva no mesmo ano. 

Para Beatriz Lourenço, diretora de Incidência Política do Instituto Peregum, a iniciativa é o retrato do retrocesso brasileiro. “A PEC da Anistia é um dos registros mais eficientes para ilustrar a velocidade em que esse Congresso foi capaz de atuar para garantir um retrocesso tão grande em termos de legislação eleitoral para a população negra brasileira”, avalia. Em protesto à PEC, o Instituto Peregum criou o movimento “Instituto Peregum contra a PEC 09”, que chama atenção para a “efetiva redução dos recursos públicos”, que já não eram expansivos a candidaturas negras, e agora serão ainda mais escassos. 

Beatriz Lourenço, diretora de Incidência Política do Instituto Peregum – Imagem: Divulgação

Infrações perdoadas

Não é à toa que a PEC 09 ficou conhecida como PEC da Anistia. A proposta, já promulgada,  perdoa multas de partidos que não cumpriram as cotas de gênero e raça dos Fundos Partidário e Eleitoral em eleições passadas, e ainda decreta que os recursos não aplicados devem ser utilizados a partir das eleições de 2026. Com isso a emenda também cria um programa de refinanciamento de dívidas, o Refis, específico para partidos, seus institutos e fundações. 

O objetivo é conceder isenções de juros e multas acumulados e que seja aplicada apenas correção monetária sobre o valor original da dívida, “com o pagamento das obrigações apuradas em até 60 (sessenta) meses para as obrigações previdenciárias e em até 180 (cento e oitenta) meses para as demais obrigações, a critério do partido”, diz trecho da nova regra. Um levantamento feito pela ONG Transparência Partidária, aponta que tais medidas devem perdoar cerca de R$ 23 bilhões em infrações partidárias. 

As legendas também serão beneficiadas a partir da prestação de contas, não sendo necessário a apresentação de recibos de doações realizadas via pix. “Isso claramente fragiliza a confiança nas instituições democráticas. A autoanistia não existe em um regime democrático. O poder julgador deve ser externo”, reforça Lady Souza, consultora de Advocacy no VoteLGBT. Perspectiva amplamente desconsiderada pelos parlamentares. 

Lady Souza, consultora de Advocacy no VoteLGBT – Imagem: Divulgação

“Os partidos políticos não cumprem a legislação, e então os seus representantes no Congresso Nacional garantem uma lei que os absolve de não ter cumprido essa legislação e, além de tudo, garante alterações que trazem retrocesso. É uma interferência muito grande”, completa Beatriz. 

E a esquerda com isso?

Em meio às movimentações para aprovação da PEC 09/2023, chamou atenção o alinhamento entre partidos de direita e esquerda em um movimento de defesa à proposta. Nesse sentido, estiveram do mesmo lado siglas como o conservador Partido Liberal (PL) e o Partido dos Trabalhadores (PT), do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Líder do governo no Senado, o senador Jaques Wagner (PT-BA) preferiu liberar a bancada por considerar o tema uma questão partidária.

“Na PEC da Anistia a gente tem essa união de todos os partidos para se perdoarem. Eu vejo como a deficiência é muito mais institucional do que da esquerda ou da direita”, opina Lady Souza.

Na Câmara, os únicos deputados petistas que se manifestaram contra a PEC são: Reginete Bispo (PT-RS), Luiz Couto (PT-PB), Erika Kokay (PT-DF) e uma abstenção de Luizianne Lins (PT-CE). O PSOL, Novo e a Rede foram os únicos partidos que se manifestaram amplamente contra a proposta na Câmara. No Senado, Paulo Paim (PT-RS) foi o único parlamentar petista que manifestou voto contrário.

Durante a sessão que aprovou a proposta, Paim, que coordena a Frente Parlamentar Mista Antirracismo do Congresso Nacional, realizou um discurso em que destacou sua indignação com a falta de debate acerca do tema no Senado e do retrocesso que a aprovação representa. 

Para lideranças de organizações sociais, o posicionamento dos partidos de esquerda foi aquém do esperado. “Os partidos de esquerda precisam, urgentemente, retomar seu diálogo com os movimentos sociais, principalmente de mulheres, de negros, LGBT+, porque no afã de construir acordos com o Congresso, eles vão dando passos atrás”, avalia Cida Bento.

“O PSOL votou contra a PEC 09, mas isso tem bem pouca validade, porque a sigla também descumpriu as regras de distribuição de fundo eleitoral e vai ser diretamente beneficiada com a promulgação da emenda”, frisa Beatriz Lourenço. “Os dois partidos (PT e PSOL), embora no último período tenham reafirmado seu compromisso com a democracia brasileira, seguem demonstrando que da esquerda para a direita o debate racial ainda não é capaz de produzir para essas organizações transformações radicais na sua forma de se organizar”, completa.  

Compartilhar:

.

.
.
.
.

plugins premium WordPress