Por Daiane Oliveira e Patrícia Rosa
Imagem: Caique Souza, comunicador indígena do CIR
Cerca de 570 crianças morreram na Terra Indígena Yanomami vítimas de desnutrição e fome, segundo o Ministério da Saúde.
Circula pelo mundo a imagem da indígena idosa da comunidade Kataroa, de 65 anos, que estava em estado grave de desnutrição. A morte foi divulgada no domingo (22) após imagens do seu corpo esquelético e visivelmente debilitado serem divulgadas. Devido a questionamentos de organizações índigenas acerca da reprodução e divulgação da imagem, optamos por não trazê-la aqui.
Em meio a situação de emergência e calamidade pública vivida pelos povos da Terra Indígena Yanomami, o Governo Federal exonerou nesta segunda-feira (23), 11 coordenadores distritais de saúde indigena de onze estados brasileiros. O fato ocorreu dois dias após o atual presidente, Lula, ter viajado para Roraima depois de denúncias sobre a precariedade da situação de yanomamis.
O Ministério dos Povos Indígenas divulgou que 99 crianças yanomamis de uma a quatro anos, morreram em 2022, em consequencia do garimpo ilegal. A pasta ainda divulgou que 570 crianças faleceram contaminadas por mercúrio, malária e desnutrição nos últimos anos. Também neste período foi identificado o agravamento na saúde dos indígenas, com casos de crianças e adultos com desnutrição severa, verminose e malária.
Mesmo com os fatos apresentados, o ex-presidente Jair Bolsonaro usou a conta no Telegram para negar os fatos alegando que seria “mais uma farsa da esquerda, a verdade”. A estratégia usada por Bolsonaro não é novidade, tendo em vista que o ex-presidente sempre manteve a conduta de espalhar fake news e distorcer a verdade diante das acusações, fatos e provas. Em sua gestão, os ataques aos direitos humanos, aos povos originários, com aumento do desmatamento e garimpo ilegal cresceram notoriamente.
Na última sexta-feira (20) o Ministério da Saúde declarou situação de emergência de Saúde Pública por desassistência sanitária à população yanomami. O governo criou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – Yanomami), que ficará responsável por coordenar e controlar as medidas a serem instauradas na situação de emergência da região, além de articular a mobilização de recursos para o restabelecimento dos serviços de saúde junto aos gestores estaduais e municipais do SUS.
O Ministério Público Federal (MPF) declarou através de nota pública que a situação de calamidade e de grave segurança alimentar sofrida pelos povos yanomamis é resultado da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras.
O Órgão ainda afirma que medidas foram adotadas e recomendações foram enviadas para proteção do povo yanomami. As recomendações foram enviadas em novembro do ano passado, ao então ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e para Reginaldo Ramos Machado, ex-Secretário Especial de Saúde Indígena.
Em uma rede social, Lula chamou de genocídio o crime que apontou ter sido praticado pelo governo anterior. “Mais que uma crise humanitária, o que vi em Roraima foi um genocídio. Um crime premeditado contra os yanomamis, cometido por um governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro.”
“Cadê os Yanomamis?” Após criança de 12 anos ser estuprada, grupo com 20 indígenas se esconde por questão de segurança
Em maio de 2022, Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY), tornou público o desaparecimento de 20 indígenas de uma comunidade de Aracaçá, em Roraima, após uma garota indígena de 12 anos falecer depois de ser estuprada por garimpeiros.
Outra denúncia feita pelo líder indígena, Júnior Hekurari Yanomami, cita o sequestro e assassinato de uma mulher indígena e seu filho de três anos, que foi atirado em um rio na região. Os yanomamis, de acordo com o próprio Hekukari, foram ameaçados e cooptados pelos garimpeiros.
O deputado estadual Glauber Braga (PSOL-RJ), declarou na sua conta do Twitter que a situação foi denunciada e ignorada pelo então Governo Federal. “A trágica situação encontrada em Roraima já havia sido denunciada mais de uma vez por ativistas e lideranças indígenas ao governo Bolsonaro, mas nenhuma providência foi tomada”, declarou o parlamentar.
Damares: a ministra da morte pediu o veto de água potável, materiais de higiene e limpeza, além de leitos para os indígenas
Em julho de 2020, no auge da pandemia de coronavírus, a então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, pediu ao presidente Jair Bolsonaro (PL) que não enviasse aos indígenas, leitos de UTI, água potável, materiais de limpeza e higiene pessoal, ventiladores pulmonares e materiais informativos sobre a doença.
O pedido foi registrado em uma nota técnica assinada por Esequiel Roque, ex-secretário adjunto da Igualdade Racial, subsecretaria subordinada ao ministério que Damares administrava. A ministra alegava que os povos indígenas não haviam sido “consultados pelo Congresso Nacional”. A decisão foi acatada por Bolsonaro de forma imediata.
O ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo federal adotasse medidas para conter o avanço da pandemia entre os indígenas. Caso o judiciário federal não solicitasse, infelizmente os indígenas teriam ainda menos apoio do que o mínimo que foi enviado.
Em sua conta no Twitter, no domingo (22), Damares disse ter acompanhado “com dor e a tristeza” as imagens sobre a situação dos yanomamis e negou que tenha havido descaso. Em discurso sem nexo, a ex-ministra e agora senadora, questionou o “isolamento” das comunidades indígenas.
Durante o governo Lula fome e desnutrição também foi registrada entre os yanomamis
Segundo o Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas de 2009, em uma escala nacional, a desnutrição atingia na época, uma em cada três crianças indígenas. Nas crianças residentes no Norte, as prevalências foram de mais de 40%.
O Inquérito apontou ainda a ausência de acesso a suplementação como o sulfato ferroso que ainda não era usado como forma universal pelos agentes de saúde.
Especificamente sobre os povos yanomamis o Inquérito traz um alerta para o “impacto da introdução da malária em uma comunidade indígena associada à atividade garimpeira”.
Embora seja uma realidade que os dois primeiros mandatos de Lula, entre 2003 e 2011, foram exitosos e com avanços sociais para o país, é importante pontuar que fatores como a falta de demarcação de terras, os desafios para conter a exploração e ausência de políticas mais eficazes, não preservaram os povos originários.
Bolsonarismo: desmontes, descaso e genocídio é agravado por uma gestão que não respeitou os Direitos Humanos
Em junho de 2022, um dossiê produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e pela Indigenistas Associados (INA), com servidores da Funai, apontou que a instituição estava com o menor número de servidores dos últimos 15 anos, com mais de 60% dos cargos vagos.
Na gestão de Bolsonaro, entre 2019 e 2022, o orçamento foi cortado quase que pela metade, 40%, sem contar que a gestão barrou dois pedidos de abertura de concurso e protelou outros dois. Além disso, os principais cargos foram ocupados por militares, deixando só 2, das 39 coordenadorias regionais, chefiadas por servidores públicos.
Na época da denúncia, 620 processos de demarcação estavam parados na primeira etapa e outros 117 esperando apenas a assinatura de Bolsonaro para demarcação. Em outubro de 2022, o ainda presidente Jair Bolsonaro extinguiu, na canetada, órgãos fundamentais para a Fundação Nacional do Índio (Funai), com o Conselho Fiscal e os comitês regionais da Funai.
Bolsonaro ainda retirou do estatuto da Funai as atribuições das frentes de proteção e das coordenações regionais e técnicas, importantes instâncias de atuação próxima às comunidades indígenas. A medida foi vista como uma continuação do desmonte da entidade que foi sucessivamente alvo de ataques ao longo da gestão bolsonarista.
O Massacre de Haximu vitimou 16 yanomamis em 1993
A luta pela sobrevivência dos indígenas e defesa do território Yanomami é marcada por décadas de muita luta, resistência e sangue indígena. De 1987 a 1992 o território atraiu milhares de garimpeiros em busca de minérios. Em pouco tempo, os yanomamis registraram cerca de 1800 mortes em função de doenças e de atos de violência causados por 45 mil garimpeiros que invadiram suas terras. Em 25 de maio de 1992, a terra indígena foi homologada pelo presidente Fernando Collor, o que na teoria deveria garantir proteção aos indígenas.
Porém, ainda em julho de 1993, garimpeiros invadiram uma aldeia yanomami e assassinaram a tiros e golpes de facão 16 indígenas, entre eles idosos, mulheres e crianças. A ideia dos garimpeiros era assassinar todos os indígenas, mas boa parte dos yanomamis estava em uma festa na aldeia vizinha.
O caso ficou conhecido como Massacre de Haximu e foi o primeiro caso julgado pela Justiça brasileira no qual os réus foram condenados por genocídio. No entanto, em 2011, a pena foi considerada extinta levando à soltura de Emiliano Garcia, Eliézio Monteiro Neri e Juvenal Silva, João Pereira de Morais e Francisco Alves Rodrigues, acusados pelas mortes.