Há 33 anos, a OMS removia a  homossexualidade da lista de distúrbios mentais

Apesar da conquista o Brasil segue sendo um um território perigoso para as comunidades LGBTQIA+. O país assassinou um LGBT a cada 32 horas em 2022.

Apesar da conquista o Brasil segue sendo um um território perigoso para as comunidades LGBTQIA+. O país assassinou um LGBT a cada 32 horas em 2022.

Por Patrícia Rosa

“Ser gay nos 80  foi uma experiência muito difícil em relação aos dias atuais. Naquela época, a homossexualidade era ainda mais estigmatizada,  muita gente se escondia para se proteger. Eu mesmo me escondia atrás de um casamento hétero. Com a saída da lista da OMS, isso me deu mais coragem de uma certa forma para brigar por um lugar na sociedade.” 

O depoimento acima é de Nildson Veloso, hoje com  54 anos. Ele relata sua experiência enquanto de um jovem gay em um período em que a patologização do público LGBTQIA+ era uma realidade. Nildson se  separou em 1993 e assumiu sua sexualidade para a família. 

Há 33 anos,  no dia 17 de maio de 1990, a  43ª Assembléia Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) retirava o  homossexualidade da lista de distúrbios mentais da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). Com a decisão o termo homosexualismo foi eliminado pois o sufixo ‘ismo’, é caracterizado por enfermidades.

Imagem: Nelson Almeida (AFP)

Importantes conquistas na legislação, mas uma realidade de violência

No Brasil a decisão foi tomada antes da decisão internacional,  o Conselho Federal  Medicina (CFM)  deixou de considerar  a homosexualidade como transtorno mental ainda no ano de 1985. De acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia de 2021, entre os anos de 1963 e 1989 foram registrados 440 casos de pessoas LGBT’s vítimas de mortes violentas.

Com o passar dos anos a comunidade LGBTQIA+ brasileira teve direitos conquistados, mesmo que tardios. Como a união estável em 2011;  o reconhecimento  por lei do direito à adoção em 2015;  a possibilidade da alteração do nome e do gênero para a comunidade trans em 2018; a equiparação do crime de LGBTfobia ao crime de racismo em 2019. 

No entanto, o Brasil segue sendo um país perigoso para a comunidade LGBTQIA+. De acordo com informações do  Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, o país assassinou um LGBT a cada 32 horas em 2022. Foram 273 mortes violentas denunciadas no ano de 2022,  dessas mortes 228 foram assassinatos, 30 suicídios e 15 outras causas. 

De acordo com o dossiê,  mulheres trans e travestis são as que mais foram mortas  no ano passado, com 159  registrados, 96 gays, 8 homens trans e 8 mulheres lésbicas, o que representa 2,93% das vítimas das vítimas em 2023. 

Igor Cardoso, tem 29 anos, é um jovem negro e bissexual.  Para ele, a criminalização  da homofobia não é o suficiente. “Por si só não dá conta de reverter o imaginário que as pessoas têm sobre as existências LGBTQIA+. A violência não  vai cessar a partir da criminalização do judiciário, mas existe um indicativo de que o estado não vai permitir essas violências”, pondera o jovem.

Igor Cardoso, tem 29 anos, é um jovem negro e bissexual – Imagem: Arquivo Pessoal

Lesbocídio e subnotificação

Suane Soares, mulher lésbica, é pesquisadora e coautora do Dossiê sobre lesbocídio no Brasil: de 2014 até 2017. Ela aponta a subnotificação dos casos, diante da complexidade de identificação de mulheres lésbicas levando em conta a invisibilidade  da sexualidade desta comunidade.

“Há uma dificuldade em identificar quem é lésbica e quem não é, quando uma lésbica morre. O delegado responsável pelo caso não se preocupa em tentar ver em que medida o fato dela ser lésbica foi um agravante ou um motivo de fato direto e primário da execução, assassinato ou até do suicídio”, diz Suane.

Suane Soares, mulher lésbica, é pesquisadora e coautora do Dossiê sobre lesbocídio no Brasil: de 2014 até 2017 – Imagem: Arquivo Pessoal

O relatório “Dossiê sobre lesbocídio no Brasil”, destacou que 126 mulheres lésbicas foram assassinadas no Brasil, entre os anos 2014 e 2017. O dossiê foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Lesbocídio, do Núcleo de Inclusão Social (NIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O relatório foi criado pela necessidade de levantamento de dados e análise diante das especificidades das violências contra mulheres lésbicas.

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