Por Luana Miranda
Desde 2019, o Dia do Soldado no Brasil deixou de ser apenas uma data simbólica em comemoração a uma carreira profissional e passou também a ser usado como representação da infiltração da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) nas instituições militares do país. Neste ano, no dia 25 de agosto, 100 mil agentes das Forças Armadas de 18 estados e do Distrito Federal foram reunidos simultaneamente em mais uma edição do evento extra oficial que a igreja batizou de o “Dia da Condecoração dos Heróis”.
Entre fardas, armas e bíblias, a delegação, que incluía soldados, oficiais, comandantes, coronéis e também políticos, choca quem tem o mínimo de conhecimento a respeito da função das Forças Militares e da laicidade do Estado. Apesar da expressiva participação das Forças Armadas na IURD, segundo o Artigo 142 da Constituição Federal, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, estão “sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
A igreja preparou um grande café de recepção e se encarregou de entregar “diplomas” com a “Condecoração dos heróis das forças de defesa, segurança e justiça”. No perfil com mais de 37 mil seguidores, um brasão preto com as letras UFP logo acima do coração vermelho da Universal ocupa a foto do perfil. A Universal nas Forças Policiais (UFP) – capilaridade da Igreja Universal dentro das Forças Armadas – ostenta por meio de fotos e vídeos nas redes a enorme adesão e ainda mostra que a mobilização para o evento partiu também dos militares, sendo possível encontrar vídeos da alta hierarquia solicitando a presença dos demais agentes.
Mas a pergunta que não quer calar é por que 100 mil militares foram convocados e compareceram a uma instituição que supostamente não tem ligação direta com o exercício militar no país? De acordo com o Artigo 12º da Lei Nº 6.880 “A convocação em tempo de paz é regulada pela legislação que trata do serviço militar”. E por que mesmo após uma convocação extra oficial nenhuma ação foi movida pelo Ministério Público para averiguação do cumprimento ou não das legislações que regulam as convocações?
Em momento gravado durante o evento pelo programa televisivo “Fala Brasil” da Rede Record, Renato Cardoso, um dos responsáveis pela Igreja Universal no Brasil, declarou: “Vocês não têm dificuldade de entender Deus porque já entendem a hierarquia, vocês entendem que tem alguém acima. Deus se identifica com vários nomes, mas também se identifica como senhor dos exércitos”.
A declaração deixa bem evidente que existe uma hierarquia sendo estimulada a ser seguida, e essa não aparenta ser uma referência direta ao presidente da República como prevê a Constituição Federal. Em terra de tentativa de Golpe de Estado recente – orquestrado também por agentes militares -, é sempre bom lembrar que as Forças Armadas devem estar em defesa de uma nação democrática e laica, ou seja, não deve ser influenciada por uma religião ou instituição religiosa.
A atuação da IURD nas Forças Armadas brasileiras não é isolada. A partir das eleições de 2018, a categoria militar voltou a ser amplamente politizada e candidatos passaram a exibir suas patentes antes mesmo do nome, na tentativa de garantir o voto dos que acreditam nos “heróis fardados”. Um exemplo dantesco pôde ser observado com o ex-presidente Jair Bolsonaro que utilizou amplamente o posto de capitão do exército mesmo após ter ido a julgamento na instituição duas vezes por indisciplina e deslealdade. Bolsonaro foi afastado do exercício militar e assumiu a posição de reserva até ser eleito pela primeira vez como vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Democrata Cristão.