Da Redação
O Conselho Federal de Medicina (CFM) protagonizou mais um episódio de retrocesso ignorando a realidade racista e desigual que permeia o Brasil. Desta vez, o CFM entrou com uma ação na justiça contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que é a favor das cotas no Exame Nacional de Residência (Enare). Para o Conselho, a reserva de 30% das vagas para pessoas com deficiência, negras, indígenas e quilombolas é “discriminação reversa”.
As vagas questionadas pelo CFM foram ofertadas no edital do Enare 2024, o programa é uma avaliação realizada pela Ebserh/MEC e tem como objetivo ampliar as oportunidades de vagas nas residências médicas, multiprofissionais e uniprofissionais. Em desacordo com as cotas destinadas a grupos vulnerabilizados socialmente, o CFM moveu uma ação civil pública contra a Empresa estatal, que gere 45 dos 51 hospitais universitários existentes no Brasil.
Em nota divulgada à imprensa, o CFM informou “que esse mecanismo vai causar uma discriminação reversa, já que as eventuais desigualdades foram equalizadas a partir da entrada dos grupos menos favorecidos nas faculdades de medicina (…)”. Posição considerada arbitrária por Carlos Pereira Porto, médico no Hospital Geral Roberto Santos, em Salvador (BA); e no Hospital Municipal de Simões Filho (BA).
“É assustador que pessoas ditas intelectuais usem um termo inexistente no ordenamento jurídico, que é o racismo reverso. Racismo é um sistema de opressão e para existir deve haver relação de poder e sabemos que o negro, por exemplo, não possui esse poder institucional”, afirma
Tendo sido aluno cotista pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Carlos diz que a decisão do Conselho Federal de Medicina é pautada em privilégios que definem a cor da pele das pessoas que podem transitar em determinados espaços. “A Residência Médica também é um nível de formação, podemos pensar num sistema de cotas como uma porta de acesso para grupos vulneráveis, é inaceitável como o CFM se coloca contra a diversidade e inclusão desses grupos”, opina.
As cotas raciais têm sido um instrumento fundamental de reparação histórica, promovendo a inclusão de pessoas negras em espaços que historicamente foram restritos. Fomentando essa perspectiva, a Ebserh se posicionou através de nota em defesa da permanência das cotas. “O estabelecimento de reservas de vagas no Enare, com respaldo constitucional e legal, visa garantir que o acesso aos programas de residência reflita a diversidade demográfica do Brasil e contribua para um sistema de saúde mais inclusivo e equitativo”, diz trecho do comunicado.
“A ideia de meritocracia é um mito que beneficia a desigualdade, para se ter meritocracia tem que haver equidade, senão será apenas a perpetuação de privilégios”, conclui Carlos.