Indígena afirma que Dom Phillips e Bruno Pereira foram vítimas de uma emboscada

O jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Araújo Pereira foram vítimas de uma emboscada. É o que afirma uma fonte ouvida pela Amazônia Real nesta terça-feira (7).

Denúncia foi feita ao Amazônia Real; Unijava e o OPI dizem que a equipe recebeu “ameaças em campo” durante visita no Vale do Javari

Por Andressa Franco
Imagem: Daniel Marenco/O Globo e reprodução Twitter

O jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Araújo Pereira foram vítimas de uma emboscada. É o que afirma uma fonte ouvida pela Amazônia Real nesta terça-feira (7). Dom e seu companheiro de expedição Bruno, que é servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio), estão desaparecidos desde o último domingo (5).

Os dois se deslocavam de barco pelo rio Itaquaí, depois de visitar a Terra Indígena do Vale do Javari. A região, localizada em Atalaia do Norte (AM), tem a maior concentração de povos isolados do mundo e vem sofrendo com invasões de caçadores, pescadores e madeireiros. O desaparecimento foi divulgado em nota assinada pela principal associação indígena do Vale do Javari (Unijava) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato.

Desde sexta-feira (3), a testemunha, que fez essa denúncia em anonimato, integra uma equipe de 13 vigilantes indígenas que circulavam com o jornalista e o indigenista pela região do Vale. Logo após a notícia do desaparecimento dos dois, o grupo realizou buscas, mas sem sucesso. Os indígenas chegaram a alertar Bruno e Dom sobre os riscos de seguirem sozinhos pelo rio Itacoaí.

A possível emboscada

Segundo o indígena, a dupla foi recebida pela mulher do líder comunitário conhecido como “Churrasco” na comunidade ribeirinha São Rafael, pausa que estava programada no roteiro. Depois da visita, seguiram viagem em um barco da Funai. Na mesma comunidade, haveria uma embarcação mais potente e rápida, fornecida por narcotraficantes para os ribeirinhos. Com esta embarcação, não seria difícil alcançar o barco do jornalista e do servidor pelo rio.

A viagem de volta deveria durar cerca de duas horas, ou seja, como chegaram à comunidade por volta das 6h, deveriam ter voltado até às 8h/9h para cidade.

A Unijava e o OPI dizem que a equipe recebeu “ameaças em campo” durante a visita. A nota afirma ainda que a ameaça recebida pela equipe na última semana não foi a primeira. Várias outras ameaças “já vinham sendo feitas a demais membros da equipe técnica da Unijava, além de outros relatos já oficializados para a Policia Federal, ao Ministério Público Federal em Tabatinga, ao Conselho nacional de Direitos Humanos e ao Indigenous Peoples Rights International”.

A suspeita, segundo essa fonte, é que um traficante teria mandado o barco mais potente “exatamente esperando a vinda do Bruno, porque com certeza existe informante na cidade [de Atalaia do Norte] e tinha a informação de que o Bruno ia chegar na região”, informa o indígena, que acredita que os dois não tenham sobrevivido. “Se foi aquele pessoal, aqueles pescadores daquela região, não é a primeira vez que fizeram isso.”

Segundo ele, que também vem recebendo ameaças, há ribeirinhos que trabalham para criminosos perigosos que atuam nessa região, onde atuam também narcotraficantes peruanos e colombianos.

Tanto a equipe que acompanha Dom e Bruno, quanto eles, registraram em imagens, e com marcações pelo GPS, a geolocalização das áreas invadidas. O combinado era que o indigenista levasse o material para denunciar ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal (PF), na cidade de Tabatinga, próximo de Atalaia do Norte. Durante a permanência no Vale do Javari, o grupo se revezava nas madrugadas para garantir a proteção de todos, sempre com pelo menos dois indígenas armados.

Na última segunda-feira (6), a Polícia Federal chegou a deter dois homens identificados como “Churrasco” e “Janeo”, para prestar depoimentos pela Polícia Civil. Os dois são pescadores ligados a crimes ambientais, e foram liberados na mesma noite. De acordo com a PF, eles foram ouvidos porque tiveram contato com Bruno e Dom antes do desaparecimento. Outras três pessoas identificadas como “Pelado”, “Nei” e “Caboclo” também estariam sendo procuradas para relatar o que sabem.

Apelo das famílias

Na manhã desta terça-feira (7), a família de Bruno se pronunciou em nota à imprensa apelando às autoridades que deem prioridade e urgência na busca pelos desaparecidos. “É fundamental que buscas especializadas sejam realizadas, por via aérea, fluvial e por terra com todos os recursos humanos e materiais que a situação exige”, diz o texto.

A mulher do jornalista britânico, Alessandra Sampaio, já havia feito um apelo nesta segunda-feira (6) para que as autoridades brasileiras tomem “ações urgentes” sobre o caso. A Polícia Federal, a Funai, o Ministério Público Federal, a Marinha e o governo do Amazonas estão envolvidos nas buscas. “Conheço o momento vivido pela Amazônia e os riscos que Dom sempre denunciou como jornalista. Autoridades brasileiras, nossas famílias estão desesperadas. Por favor, respondam à urgência do momento com ações urgentes”, escreveu.

Phillips mora em Salvador (BA) e faz reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos, colaborando como freelancer para veículos como o The Guardian, o Washington Post, o New York Times e o Financial Times.

O Greenpeace Brasil se manifestou nas redes sociais, lembrando que esse desaparecimento acontece em meio ao aprofundamento da política anti-indigenista promovida pelo atual governo. E que o afrouxamento de normas e o estrangulamento orçamentário de órgãos como a Funai e o ICMBio, contribuem para a violação de direitos fundamentais dos povos indígenas do Brasil. “Sem o menor constrangimento, o Brasil de Bolsonaro dá licença política e moral para que atividades predatórias se reproduzam à luz do dia, especialmente na Amazônia”, acrescentou.

As buscas

Às 14h do domingo, os órgãos enviaram uma equipe “formada por indígenas extremamente conhecedores da região” para buscar a dupla. Mas não foi encontrado nenhum vestígio. Às 16h, informam os órgãos, outra equipe de busca saiu em uma embarcação maior, mas novamente sem localizar nenhum vestígio.

O governo federal só disponibilizou um helicóptero para ajudar nas buscas nesta terça-feira (7), segundo a PF. A Marinha do Brasil informou na segunda-feira que sete militares atuam nas buscas com auxílio de uma lancha, e que o helicóptero do 1º Esquadrão de Emprego Geral do Noroeste entraria em operação nesta terça-feira, junto de duas embarcações e uma moto aquática.

Em nota, o Comando Militar da Amazônia, do Exército, afirmou que estava em condições de cumprir “missão humanitária de busca e salvamento”, mas que “as ações serão iniciadas mediante acionamento por parte do Escalão Superior”.

Localizada no oeste do Amazonas, a Terra Indígena Vale do Javari finalizou seu processo de demarcação em 2001, e possui uma extensão territorial equivalente a quase dois estados do Rio de Janeiro (85,4 mil km²). É considerada a segunda maior demarcação depois da Terra Yanomami (96, 6 mil km²), homologada em 1992.

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