Por Patrícia Rosa
Aos 39 anos, Maria Cláudia da Conceição foi vítima de feminicídio no último dia 26 de maio, enquanto trabalhava, em Camaçari (BA). Ela foi morta a tiros, e o principal suspeito é o ex-companheiro, Ladislau de Jesus Conceição, que se suicidou após cometer o crime. O feminicídio aconteceu menos de um mês após Maria Cláudia ter solicitado uma medida protetiva contra o agressor, que não aceitava o fim do relacionamento.
Esse não é um caso isolado. Em novembro de 2019, Elitânia de Souza da Hora, de 25 anos, foi assassinada pelo ex-namorado na cidade de Cachoeira (BA). A jovem voltava da faculdade quando foi morta a tiros por Alexandre Passos Silva Góes. Ela havia registrado duas queixas contra o agressor e possuía uma medida protetiva expedida pela Justiça de São Félix (BA), onde morava anteriormente. No entanto, aguardava a emissão de uma nova medida protetiva em Cachoeira, cidade vizinha onde residia e estudava. A medida, porém, não foi expedida a tempo.
Em ambos os casos, o sistema de Justiça da Bahia falhou na proteção dessas mulheres. A medida protetiva de urgência (MPU) é um instrumento fundamental no enfrentamento à violência de gênero, criada para resguardar a integridade e a vida de meninas, adolescentes e mulheres em situação de risco.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgados pela Folha de S.Paulo, apontam que a Bahia é o estado que mais descumpre o prazo legal para a análise de medidas protetivas. A legislação determina que pedidos urgentes de proteção às mulheres sejam analisados pelo Judiciário em até 48 horas. No entanto, em 2024, esse prazo chegou a até 16 dias no estado.
O levantamento mostra ainda que, no mesmo ano, o Rio Grande do Norte registrou a segunda maior demora, com até 15 dias de espera. Também ultrapassaram o prazo legal de 48 horas os estados do Rio de Janeiro, Ceará, Minas Gerais, Espírito Santo, Santa Catarina, Paraíba, Alagoas, Piauí, São Paulo, Pernambuco e Sergipe.
A advogada e integrante da organização Tamo Juntas, Laina Crisóstomo, alerta que essa morosidade coloca as vítimas em situações ainda mais perigosas e vulneráveis. Ela também defende que a medida protetiva, por si só, não é suficiente — deve vir acompanhada de um conjunto de ações efetivas de cuidado e acolhimento.
“A medida protetiva de urgência é um papel que só tem força se vier acompanhada de um conjunto de ações. O enfrentamento à violência não se dá apenas no Judiciário, mas na garantia de acolhimento psicossocial às mulheres. É esse cuidado que pode ajudá-las a reconstruir vínculos, voltar a sonhar, buscar um emprego”, explica.
A Revista Afirmativa entrou em contato com o Tribunal de Justiça da Bahia para questionar a morosidade na análise das medidas protetivas. Em nota, o órgão afirmou que a Coordenadoria da Mulher, presidida pela Desembargadora Nágila Maria Sales Brito, recebeu os dados com surpresa, e iniciou um processo de apuração para identificar as causas do índice elevado.
“Constatou-se um problema sistêmico: muitos processos apresentavam tempo de apreciação superior a 500 dias. A análise revelou que, embora as medidas tivessem sido concedidas tempestivamente, o lançamento no sistema foi realizado com códigos incorretos, conforme as Tabelas Processuais Unificadas (TPUs)”, completa.
Ainda de acordo com a nota, a partir desse diagnóstico, o Tribunal de Justiça realizou um webinário sobre as TPUs e a melhoria dos dados estatísticos relacionados às MPUs. Também foram promovidas campanhas informativas para orientar magistrados e servidores quanto à correta utilização das TPUs, especialmente no lançamento dos movimentos processuais relativos às medidas protetivas de urgência. O TJ-BA lançou ainda o projeto “TJBA Por Elas”, com o objetivo de promover a celeridade na apreciação das medidas protetivas. A previsão da Corte é de que as iniciativas passem a se refletir nos dados a partir dos próximos meses.
Quem são as mais vitimadas pela violência?
Na contramão da ausência de proteção da Justiça, os índices de violência contra as mulheres seguem em crescimento alarmante. Segundo o Atlas da Violência 2025, a Bahia registrou 463 dos 3.903 homicídios de mulheres ocorridos no Brasil. A maioria das vítimas no estado era formada por mulheres negras: 411 delas foram assassinadas em 2024.
Em todo o país, o perfil das vítimas também revela a face do racismo. Em 2023, 2.662 mulheres negras foram vítimas de homicídio, o que representa 68,2% do total de assassinatos de mulheres no Brasil. Os piores índices foram registrados em Pernambuco (7,2), Roraima (6,9), e tanto o Amazonas quanto a Bahia apresentaram taxa de 6,6 mortes por 100 mil habitantes.
“A gente mora em um estado onde as forças de segurança pública são extremamente agressivas. Existe uma naturalização do ódio às mulheres, da misoginia, da perversidade. São muitos crimes extremamente violentos contra as mulheres”, conclui Laina Crisóstomo.