No último domingo (10) foi Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher. O Brasil registrou 3.913 casos de feminicídio em 2020, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública
Por Patrícia Rosa
Imagem: ONU Mulheres
Desde 1980, o dia 10 de Outubro tornou-se o Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher. Nesta data, na cidade de São Paulo, mulheres se mobilizaram nas escadarias do Teatro Municipal da capital paulista, para protestar sobre o aumento do índice desses crimes em todo o país. Naquele ano, 1.353 mulheres foram mortas no Brasil, de acordo com dados do Mapa da Violência.
Com o passar dos anos, os números de feminicídio seguiram em alta, e o Brasil ocupa hoje a 5ª colocação no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, no ano passado o país teve 3.913 homicídios contra mulheres, com 230.160 casos de lesão corporal dolosa por violência doméstica, registrados na polícia civil. Foram 1350 feminicidios, dos quais 61,8% cometidos contra mulheres negras.
Quem ver dona Rosa Maria Gomes de 57 anos, cheia de vontade de viver não imagina que ela foi uma uma vítima de uma brutal violência doméstica. Há 5 anos atrás, dona Rosa sofreu uma tentativa de feminicídio, quando voltava para casa depois de uma festa familiar. “Eu não sou obrigada a ficar com ninguém”. Ela tomou 7 facadas do ex-companheiro, que não se conformava com o fim do relacionamento de 1 ano e 11 meses.:
“Fui pra ilha para o aniversário de meu sobrinho e resolvi voltar pra casa no outro dia. Quando eu cheguei em casa, encontrei a porta arrombada, televisão com água, ao ver aquilo pedi pra uma senhora pegar meu filho e ficar com ele para eu ir na delegacia, prestar uma queixa do arrombamento. Quando ia saindo pra dar queixa ele me atacou atrás de um portão, me deu sete facadas” relata dona Rosa.
A cuidadora de idosos tinha 53 anos na época do crime, ela havia pedido para o então cônjuge sair de casa, pois queria ficar com o filho que tinha 14 anos. “Eu disse a ele que não queria ele nem ninguém, só queria viver a minha vida”.
Depois dos ataques, Rosa ficou internada 5 dias no Hospital Geral do Estado. Ela levou 30 pontos na região do pescoço, mais 18 por fora da boca: “Ninguém me reconhecia, mas eu fiquei com a cabeça boa, para poder contar minha história”.
Na ocasião, o autor do crime foi pego por populares e preso em flagrante. Mas, apesar do crime brutal, o agressor ficou preso por 9 meses, e foi solto após pagar fiança. A vítima segue sendo acompanhada pela Ronda Maria da Penha: “Eu uso medida protetiva até hoje, todo mês quando não me acompanham, me ligam pra saber como estou”.
Apesar das memórias dolorosas da violência brutal, Dona Rosa se coloca disposta em poder contar sua história e incentivar outras mulheres a denunciarem: “Tudo isso que eu passei, outras pessoas estão passando até pior, muitas nem estão sobrevivendo. Mas, quem puder vá a luta na delegacia, dê uma queixa, denunciem”.
A violência doméstica se divide em tipos e a importância da ampliação da rede de apoio
A agressão física é apenas um dos tipos de violência doméstica. Existem outras formas como a psicológica, patrimonial, sexual, e toda e qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. A advogada Leticia Ferreira atua como co-presidenta da Tamo Juntas, uma rganização feminista antirracista fundada na Bahia em 2016, com objetivo de prestar assessoria gratuita a mulheres em situação de violência e vulnerabilidade social. Ela fala da importância da mulher em situação de violência buscar apoio: “Assim que perceber uma situação de violência de gênero, a mulher pode buscar os centros de referência da mulher. O Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), as unidades de saúde, a defensoria pública e também as delegacias”.
A co-presidente do Tamo Juntas ressalta a importância dos atendimentos nas delegacias. “Buscar ajuda policial é importante pois a violência doméstica e familiar contra a mulher é crime e o agressor deve ser responsabilizado”. Porém a advogada ressalta que esse não é o único órgão para formalizar o registro das ocorrências. “Existe uma rede de serviços de proteção que pode ser acionada pela mulher em situação de violência” declara Ferreira.
Um ponto crucial para o apoio à mulher é a escuta ativa. Este é um elemento fundamental para o acolhimento, para o fortalecimento destas mulheres: “Oferecer um espaço seguro, respeitoso e que não reproduza discursos que culpabilizam a mulher pela violência sofrida é importante para que ela se fortaleça para denunciar e acessar direitos”, sinaliza Letícia.
Covid 19 e o aumento de casos de violência contra mulheres
Uma das consequências do período Covid-19 foi o acréscimo no número de vítimas de agressões domésticas. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, uma a cada quatro mulheres acima de 16 anos diz ter sofrido algum tipo de violência no último ano, sendo quase 17 milhões casos notificados.
Neste contexto, a Lei Maria da Penha completou 15 anos este ano. Para Letícia Ferreira a Lei é bastante avançada e a luta cotidiana é pela sua plena aplicabilidade: “Temos muitos mecanismos de proteção à mulher em situação de violência que já estão previstos na lei. Acreditamos que o avanço vem da prioridade em garantir a aplicabilidade e eficácia da legislação”.
Três novas leis que criminalizam condutas de violência contra a mulher, oferecendo paradigmas diferenciados de política criminal e efetivando a Lei Maria da Penha. A Lei nº 14.188/21, de 28 de julho de 2021, incluiu no código penal, a violência de ordem psicológica contra mulher, com pena de reclusão de seis meses a dois anos mais multa.
Mulheres negras são as maiores vítimas de violência
Em uma década, entre os anos de 2009 e 2019, cresceu o número de mulheres negras vítimas de violência doméstica no Brasil. Foram 50.056 mulheres assassinadas, de acordo com informações do Atlas da Violência 2021, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). A pesquisa aponta que nesse período, a taxa de mulheres negras assassinadas cresceu 2%, enquanto o número de não negras caiu 26,9%.
“Além de vitimadas pela violência de gênero, são vítimas do racismo institucional uma vez que têm maior dificuldade de acionar os serviços de proteção às mulheres em situação de violência. O sistema de justiça deve implementar políticas de combate ao racismo institucional , possibilitando maior acesso e eficácia dos instrumentos de proteção à vida destas mulheres” declara Leticia Ferreira.
Nesse contexto, uma assessoria gratuita é de tamanha importância para a proteção à mulheres vítimas de feminicídio. Desde sua fundação, a organização Tamo Juntas presta esse serviço estando presente em 16 estados do Brasil. “As mulheres podem nos acessar pelas redes sociais Instagram e Facebook (@atamojuntas), pelo site (www.tamojuntas.org.br) e também podem contactar por email no contato@tamojuntas.org.br”.