Andreza Anjos*
Quando o povo negro foi assimilado na cultura ocidental a concepção de maternidade africana foi destruída e os cacos que sobraram viraram conceitos de acesso da classe média alta. Não pode ser normal que uma mãe ao ser perguntada pelo filho, tenha que imediatamente responder com quem e onde ele está. O correto não deveria ser apenas se está bem ou não?Mas por que as pessoas perguntam na maioria das vezes ‘cadê seu filho’ e não apenas ‘como está seu filho?’ Percebam que a semântica condiciona a resposta
A resposta não pode pertencer as mulheres negras, porque em nosso legado ancestral Osun fez guarda compartilhada com Oxóssi e nunca deixou de ser mãe por isso. Oyá teve 9 filhos e depois decidiu ir pra mata, não deixou de ser mãe por isso. Nanã deixou Obaluayê na praia porque era o costume da época, as crianças doentes serem entregues ao mar, continuou sendo a mãe que acolhe.
O que a cultura aqui conturbada com seus valores requer, é que mulheres que são mães e até as que não são e nem querem, nunca desliguem o cordão umbilical, e que por ser a genitora e responsável não tenha o direito de viver sua própria vida a partir de suas percepções. É automático a satisfação que se dá sobre um filho que você pariu para ser o que ele quiser!
Se analisarmos o contexto histórico, é fácil notar que as mulheres abastadas e não negras, sempre tiveram o privilégio de ter uma ama, uma babá, uma cuidadora ou creche. E as mães empobrecidas com a desgraça da escravidão, precisam levar os miúdos pela barra da saia, escondidos em cestos, dentro de bacias de roupa suja e sempre encontrar uma árvore para aconchegar suas crianças.
A vida segue e esse grupo precisa que se tenha uma avó ou um pai responsável para que ela tenha o direito de andar um minuto sem a cria. As formas de afeto foram capitaneadas e destituídas de amor. As experiências de mulheres que são mães, não estão dissociadas das tragédias capitalistas e do colonialismo.Tem que andar com o filho porque é mulher, porque é pobre, porque é negra…
As nossas tradições estão atravessadas de eventos sociais e isso precisa ser olhado com assimetria Os nossos comportamentos demonstram o quanto ainda existem correntes em nossos pensamentos. As mães necessitam para viver, não serem apenas para os filhos. O que rodeia a ‘maternagem’ tem de romântico e apático em relação a subjetividade das pessoas que se sujeitam em gerir e gestar uma vida.
A maternidade vive cercada de culpas impostas por um modelo de sociedade que subalterniza as mulheres, e a progressão da culpa se estende pela raça e pela classe. Os quadros depressivos pós parto, quase sempre estão relacionados a situações que não são culpa da mãe, mais uma vez a vítima assume o lugar de culpado e extrapola os limites do bem viver forçadamente.
Importante e necessário que essa narrativa esteja presente nos discursos políticos, como tem estado no campo da pesquisa, no qual mulheres e homens engajados discutem a condição situacional das mulheres cientistas, fazendo um adendo que esta ciência não admite mãe de santo, sambadeira, capoeirista e tantas outras formas de produção de conhecimento e intectualidade.
As mulheres antigas que se fizeram parteiras pela experiência biocultural, sempre nos alertam para cuidados com a ‘mãe do corpo’ o que seria um tipo de força sobrenatural que emerge do chacra feminino.
Então, que a mãe do corpo oriente nossa conduta para ser ou não mãe e que essa mãe não seja a linha da culpa.
*Professora de ciências da natureza e educadora popular, pesquisadora em educação e filosofia africana, candomblecista, mãe e ativista política
Imagem destacada: Mãe Preta – Lucílio de Albuquerque