Movimentos de defesa dos direitos das mulheres protestam na Câmara contra o PL do Estupro

Diante da pressão social, e após parecer da OAB que considera o PL inconstitucional, Arthur Lira anunciou comissão para analisar o texto no próximo semestre

Da Redação

As manifestações que pressionam pelo arquivamento do Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que equipara o aborto ao crime de homicídio, continuam. Movimentos sociais e ativistas pelos direitos das mulheres se reuniram em frente ao Anexo 2 da Câmara dos Deputados, onde ficam as salas das comissões, na última quarta-feira (19) com cartazes em protesto ao chamado PL do Estupro, também conhecido como PL da Gravidez Infantil.

Em manifesto distribuído no ato, o movimento Criança Não É Mãe ressaltou que o protesto acontece “por não admitir mais que nenhuma violência seja perpetrada pelo Congresso Nacional, que deveria legislar pelo bem do povo e garantir a Constituição”.

Segundo apuração do Congresso em Foco, um grupo de deputados bolsonaristas foi até o local para provocar as manifestantes. A deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP) também se dirigiu ao local, pedindo que as ativistas não respondessem às provocações. “É um sinal de que estão recuados, e não conseguem ter voto para aprovar essa atrocidade”, declarou. A parlamentar também chamou atenção para a importância de manter a mobilização. 

O PL não saiu do debate público desde que a urgência para levar o texto diretamente a plenário foi aprovada na Casa em votação de apenas 24 segundos, no dia 12 de junho. No dia seguinte, os protestos começaram nas ruas de todo país.

Diante da pressão, na noite da última terça-feira (18), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou a criação de uma “comissão representativa”, que vai analisar o mérito do PL no próximo semestre. Segundo ele, a medida foi tomada para que o debate aconteça “sem pressa e sem qualquer tipo de açodamento”.

Após o anúncio, o autor do projeto, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), disse em suas redes sociais que vai “continuar lutando pela vida dos bebês”.

O PL 1904 iguala o aborto ao crime de homicídio quando ele é feito após a 22ª semana de gestação. Assim, vítimas de estupro podem ser presas por até 20 anos caso realizem o procedimento, enquanto estupradores são condenados a, no máximo, 10 anos, conforme o Código Penal. O texto prevê ainda que meninas abaixo dos 18 anos podem ser internadas em estabelecimento educacional por até três anos.

Atualmente, são três os casos em que a interrupção da gravidez é permitida no país: gravidez decorrente de estupro, risco de morte à gestante ou em caso de anencefalia do feto. Sendo os dois primeiros permitidos desde 1940. Assim, o PL ataca um direito que já enfrenta diversas barreiras para ser plenamente acessado, especialmente para as meninas e mulheres negras, pobres e vulnerabilizadas.

PL é inconstitucional 

De acordo com parecer técnico-jurídico publicado pela Ordem dos Advogados do Brasil no último sábado (15), o PL 1904/2024 é inconstitucional. O documento pede o arquivamento do projeto, que considera afrontar os “princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar e o melhor interesse da criança. Além disso, a proposta viola os direitos das meninas e mulheres, impondo-lhes ônus desproporcional e desumano.”

O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, ressaltou que a decisão da Ordem não considerou debates sobre preceitos religiosos ou ideológicos, e que o parecer é exclusivamente do ponto de vista jurídico. A análise abordou o direito à saúde, o Direito Penal e o Direito Internacional dos direitos humanos, levando em conta os aspectos constitucionais, penais e criminológicos do texto. 

Caso venha a ser aprovado, a OAB defende que o tema deve ser submetido ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma ação de controle de constitucionalidade. 

A comissão entende que a mulher não pode ser culpada pelo aborto, nos casos já garantidos em lei, pois isso configuraria expressivo retrocesso. O relatório pondera ainda que a solução para os desafios associados ao aborto não está na criminalização da mulher, mas na obrigação do Estado de protegê-la contra os crimes de estupro e assédio.  

O Atlas da Violência 2024, divulgado na última terça-feira (18), mostrou um preocupante cenário, com altos índices de violência sexual. Entre meninas de 10 a 14 anos, essa violência corresponde a quase metade dos registros de agressão (49,6%). Já na faixa etária de 0 a nove anos, 30,4% dos registros de violência têm natureza sexual, sendo a segunda maior agressão contra meninas. Para se ter uma ideia, entre mulheres de 30 a 34 anos esse número cai para 5,4%, evidenciando que a maior ocorrência de violações sexuais no Brasil acontece contra meninas e adolescentes.

Os números justificam o parecer técnico da OAB, que classificou o PL do Estupro ainda como “grosseiro e desconexo da realidade”. Para a comissão responsável pelo documento, o texto demonstra completo distanciamento de seus propositores às fissuras sociais do país. Desconsiderando também aspectos psicológicos, e até mesmo a fisiologia corporal de uma menor vítima de estupro, por exemplo.

“Todo o avanço histórico consagrado através de anos e anos de pleitos, postulações e manifestações populares e femininas para a implementação da perspectiva de gênero na aplicação dos princípios constitucionais é suplantado por uma linguagem punitiva, depreciativa, despida de qualquer empatia e humanidade, cruel e, indubitavelmente, inconstitucional”, completa o parecer.

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