Por Elizabeth Souza
No Ceará, Joélho Caetano, de 21 anos, tem ganhado destaque na cena gastronômica por ter criado a receita inédita de um sorvete, que além de sabor, carrega o resgate histórico e cultural do território onde nasceu e reside: a comunidade quilombola Conceição dos Caetanos, localizada no município de Tururu, a 119 quilômetros de Fortaleza. “Comecei a perceber que as práticas das farinhadas no quilombo estavam começando a ficar mais apagadas. A partir daí, comecei a estudar meu território”, revela o jovem.
A prática que nomeia o sabor do sorvete, a farinhada, é o processo de produção da farinha de mandioca, uma das fontes de renda de diversas famílias que há gerações residem no quilombo e que fazem da agricultura familiar a base de sustentação da localidade. “Percebi que tudo isso tinha potencial para essa construção”, comenta Joélho.
Após o lançamento oficial, em 14 de julho, na cidade de Fortaleza (CE), o sorvete tem feito sucesso não apenas na capital cearense, mas também em Recife e no próprio quilombo, onde Joélho é proprietário da sorveteria Caetano Sabores. O jovem conversou com a Afirmativa sobre sua invenção e perspectivas.
Revista Afirmativa: Como surgiu a ideia de ter uma sorveteria na comunidade quilombola?
Joélho Caetano: Com meus 15 anos de idade, vendo tudo que eu e minha família passávamos dentro de casa, viajei pela primeira vez com meu padrinho para Fortaleza. Ao entrar numa sorveteria tive a ideia de abrir uma dentro da minha comunidade. Apresentei a ideia à minha mãe, ela disse que eu estava louco, e que não tínhamos condições. Mas depois aceitou e a gente abriu a Caetano Sabores, que hoje já está com cinco anos.
RA: Como esse processo deu impulso para você criar o sorvete farinhada?
JC: A minha sorveteria está localizada na comunidade quilombola que eu moro, e eu percebi a necessidade de implementar a cultura da região ali. Então, comecei a perceber que as práticas das farinhadas no quilombo estavam começando a ficar mais apagadas. A partir daí, comecei a estudar meu território e me deparei com um edital da Secretaria de Cultura, da Escola de Gastronomia Social, que oferece laboratório de pesquisa. Consegui ingressar e ali passei a pesquisar a cultura alimentar dentro do meu território, a fim de criar um produto que contasse essa história.
RA: Quem foram suas influências no processo criativo?
JC: A nossa comunidade é fortemente mantida à base da agricultura familiar, que é de onde a maioria das famílias tiram o seu sustento, isso também foi inspiração pra mim. Tenho como referência a liderança negra quilombola Caetano José da Costa, o paizinho Caetano, que comprou as terras de Conceição e passou por discriminação racial, e mesmo assim criou forças para trabalhar na agricultura, na farinhada. E também minha avó, que é uma da líder que passou 40 anos se dedicando ao território, e minha mãe.
RA: E quais são os ingredientes que contam essa história?
JC: Na nossa comunidade tem mais de seis casas de farinha, então na minha pesquisa a gente entendeu que deveria passear por este caminho. Assim surgiu a ideia de eu pegar a mandioca, criar uma base a partir dela e depois criar uma farofa para jogar dentro dessa base, utilizando elementos da comunidade. Estão presentes a farinha de mandioca, o coco, a rapadura, a manteiga da terra, que são elementos que a gente encontra no dia a dia na alimentação do meu povo.
RA: Qual o diferencial do sorvete?
JC: O produto não possui emulsificantes, nem estabilizantes, porque a mandioca vai fazer esse papel. Quando falamos que é um sorvete feito com mandioca, as pessoas pensam que tem sabor de tapioca, mas não é. Então o diferencial dele é que é um produto original, não existe um sorvete feito com uma farofa, que traz uma crocância especial.
RA: Quando ocorreu o lançamento do sorvete?
JC: No dia 14 de julho, a gente teve o lançamento oficial do sorvete na Estação das Artes, em Fortaleza, que é um equipamento aqui da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, com o apoio e presença da Bellucci Gelateria e do chef Bruno Modolo, que foram meus mentores.
RA: Onde o sorvete está sendo vendido?
JC: Foi feito um contrato junto à Bellucci Gelateria, e dentro da sorveteria é contada a minha história e de minha comunidade, e esse era um intuito meu quando eu pensei sobre tudo isso, e estou muito feliz que está sendo realizado. Então, o sorvete está sendo vendido na Bellucci, em Fortaleza e em Recife, e também no quilombo onde eu moro.
RA: Como está o Joélho Caetano após a realização desse sonho?
JC: Para mim é super importante. É algo que eu digo às pessoas negras, nós pretos, nós quilombolas, temos que estar nos melhores espaços de destaque. Realizar o processo de criação foi algo que com certeza marcou a minha vida para sempre, é um sonho realizado. Um trabalho que valoriza e apresenta as práticas alimentares do meu território. Me sinto realizado e feliz.