No Dia Internacional das Pessoas Idosas, mulheres negras 60+ relatam suas experiências e impressões sobre vida sexual na terceira idade

O prazer e a sexualidade não têm prazo de validade e não terminam com o envelhecimento. Mas a vida sexual para mulheres negras com mais de 60 anos, ainda é assunto rodeado de mitos e tabus.

Por Andressa Franco e Patrícia Rosa

Imagem: Rankin / Instagram

O prazer e a sexualidade não têm prazo de validade e não terminam com o envelhecimento. Mas a vida sexual para mulheres negras com mais de 60 anos, ainda é assunto rodeado de mitos e tabus. O dia internacional das pessoas idosas é marcado como o dia 1º de outubro, uma data criada em 14 de dezembro de 1990, na Assembleia Geral das Nações Unidas.

Para Heliana Hemetério, a sociedade trata o tema envelhecimento como sinônimo de falar de solidão. Aos 70 anos, ela é mãe, avó, e está há 15 anos no seu terceiro casamento, o segundo com uma mulher. A historiadora também é conselheira nacional de saúde e representante da Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas (Candaces).

“Não há debate sobre a velhice, nem por parte dos idosos, nem na comunidade LBT”, avalia. 

Heliana Hemetério, 70 anos, é historiadora, conselheira nacional de saúde e representante da Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas (Candaces) – Imagem: Arquivo Pessoal

A carioca relata que aproveita a terceira idade para curtir os filhos, netos e a companheira. Para ela, o envelhecimento é apenas mais um período de vida. Assim, o sexo continua como uma realidade presente. “Você permanece com a libido, tem tesão. Claro que não é como quando se tem 35 ou 45 anos, mas permanece. É como andar de bicicleta.” 

“As mulheres nessa idade é que estão aproveitando”

Em compensação, Heliana observa uma melhora na qualidade da vida sexual, devido ao maior conhecimento e domínio sobre o próprio corpo e os próprios gostos. “Você tem um corpo que você conhece. E é importante entender que esse corpo não será o mesmo, lidar com o fato de que ele será diferente das pressões estéticas vendidas pela sociedade”, pondera.

Mirian Janice Santos, de 63 anos, afirma que não vive a terceira idade, mas a melhor idade. “Existe o estereótipo [de que as 60+ não namoram], mas eu acho que é o contrário. As mulheres nessa idade é que estão aproveitando. Depois que os filhos crescem, elas procuram se relacionar.”

Para ela, os estereótipos existem porque sexo nessa fase da vida é um tema pouco debatido, no máximo “umas lives”. O que faz as mulheres temerem julgamentos. “Acham que não podem ter aquele calor, a vontade de se relacionar.”

Mirian Janice Santos, 63 anos – Imagem: Arquivo Pessoal

Jovanna Baby é fundadora do FONATRANS – Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros, e também percebe uma inibição à essa temática, e pouca abertura nas mulheres negras mais velhas para falar sobre suas vidas sexuais. 

“A sociedade impõe esse alijamento do desejo sexual na terceira idade. Temos momentos de interação nos grandes eventos que participamos, noitadas de conversa na porta do hotel, mas não se toca nesse assunto de desejos e fetiches.”

Para Jovanna, essa invisibilização se estende ao debate sobre a própria saúde sexual. A ativista defende que a discussão seja feita no âmbito das políticas públicas de saúde.

Aos 60 anos, a fundadora da FONATRANS lembra que precisou fugir de casa com apenas 13 para escapar da transfobia da família. “Fugi para construir a minha identidade e me tornar a mulher que sou hoje”. Na época, a baiana do extremo sul do estado foi morar em Vitória (ES), e passou a ganhar a vida com a prostituição. “Eu lutava pelos direito das travestis que também eram prostitutas.”

Tendo se dedicado a lutar para garantir direitos às futuras gerações de travestis e transexuais, o amor e o sexo nunca tiveram espaço central em sua vida.

“Eu nunca tive essa questão de amor, eu não tenho esse privilégio de amar. Eu me apaixono às vezes. Tive uma paixão que durou nove anos, separamos numa boa. Não me faz falta um relacionamento duradouro, fixo, unitário”, conta.

Ela explica que o apetite sexual, bem como seus interesses e focos, se alteraram com o tempo. “Nos últimos anos eu tenho praticado sexo raramente e não sinto falta. Já fui muito fogosa, até os 45 anos. Eu gostava muito de sexo, não de relacionamentos.”

Assim como Heliana, Jovanna também percebe mudanças na maneira de vivenciar as relações sexuais. “Antigamente eu não tinha desejos por preliminares. Hoje, quando o desejo vem, vem com todas essas vontades”. Heterossexual, a fundadora da FONATRANS afirma que não deixou de “contemplar a beleza dos homens”, mas que não passa de contemplação. 

Jovanna Baby, 60 anos, é fundadora do FONATRANS – Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros – Imagem: Arquivo Pessoal

Os interesses de Mirian também se alteraram com o tempo. Mas ela conta que viveu e namorou muito antes disso, principalmente antes do primeiro casamento, com apenas 20 anos, “fui muito feliz”. O casamento de oito anos lhe rendeu uma filha. Depois do divórcio, manteve outra relação, “com uma pessoa maravilhosa”, com quem viveu por 18 anos, antes de sua morte. “Depois disso eu só tive mais dois casos e foi muito bom também. Então me aquietei um pouco e me transferi para o mundo das artes. Porque sempre foi um sonho ser artista. Com o trabalho e a correria não podia.”

“É diferente envelhecer preta e envelhecer branca”

A pesquisa “Envelhecimento e Desigualdades Raciais”, elaborada pelo Itaú Viver Mais, em parceria com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), foi realizada em capitais como São Paulo, Salvador e Porto Alegre. O estudo aponta que em relação ao bem-estar, em Salvador, as mulheres negras de todas as faixas etárias apresentam pior desempenho no indicador em comparação às mulheres brancas. O levantamento aponta o racismo que impacta na vida da população negra ao longo do envelhecimento. 

“Falam muito de envelhecimento, mas o olhar está sempre voltado para envelhecimento da população branca. Dá pra ver na maneira de tratar como é envelhecer preta e pobre e como é envelhecer branca”, observa Heliana. Para ela, esse racismo no envelhecimento se manifesta ainda na solidão da mulher negra.

Preocupada em envelhecer com dignidade, os 50 anos foram um marco no planejamento para atravessar esse período na vida de Heliana, priorizando sua saúde. 

“O que me dava segurança é que eu tenho minha aposentadoria, a autonomia. Eu pensava que se acontecesse alguma coisa eu teria dinheiro para pagar asilo. Sempre pensei nisso”, brinca a ativista, que passou a adotar diversos hábitos como boa alimentação e ginástica. 

Para Mirian, a experiência do pós 50 anos foi atravessar a menopausa. Formada em violão clássico, ela hoje faz aulas de flauta, se prepara para começar as aulas de violino e participa de concertos. “Se acontecer uma paquera é bom, mas eu não corro atrás.”

“Não temos como olhar para trás. Ao invés de pensar na morte e na doença, temos que pensar em como usufruir desse tempo que ainda resta de uma boa maneira, buscando uma boa alimentação, e se puder arranjando um namorado ou uma namorada. Se não puder, se masturbe, pois também é saudável”, aconselha Heliana.

“O conselho que eu dou para essas mulheres é que não se escondam. Não se ofusquem para que o desejo de outra pessoa sobreponha ao seu. Coloque os seus desejos na mesa, aliás na cama”, finaliza com bom humor Jovanna.

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