Por Angela Figueiredo* / Imagem: Globo Reprodução
No dia 15 deste mês publiquei um artigo na Revista Afirmativa intitulado: “Quem tem medo de Identidade? Ou o que o BBB21 tem a dizer sobre isso”. O propósito do texto foi responder às críticas generalizadas sobre a política de afirmação da identidade negra, tomando como exemplo empírico as pessoas negras participantes do BBB21. No artigo, falo da relação entre a afirmação das identidades e as conquistas políticas, e destaco a complexa equação entre a afirmação das diferenças como um meio para conquistar a igualdade de direitos, visto que as identidades são políticas. Eu também articulo a relação entre as características individuais, personalidades e a afirmação de pertencimento racial coletiva, ou seja, atribuo os problemas da casa mais vigiada do Brasil aos indivíduos, e destaco a escolha dos personagens e a estrutura montada pela emissora. Vale a pena lê-lo!
Fiz questão de assistir ao último dia de Karol na casa para observar em primeira mão a reação dela: Karol Conká tombou! Pois, mesmo sendo a campeã de rejeição de todas as edições do Big Brother Brasil, 99,17% e do reality no mundo, Karol saiu firme, de cabeça erguida e assumindo seus erros, “não cometi nenhum crime, me desequilibrei e realmente não sou dessa forma aqui fora”. Destacou que as atitudes dela foram resultado de uma condição especial dada pelo confinamento do próprio jogo, pediu desculpas ao Brasil e, certamente, precisa de uma chance para recomeçar.
O termo tombamento foi inicialmente ressignificado pela comunidade LGBTQI+ e expressa uma referência aos impactos visuais e políticos de uma geração que escolheu se afirmar positivamente do ponto de vista estético e comportamental, rompendo com os padrões hegemônicos. O lacre, expressão utilizada por essa geração, é um fenômeno onde os jovens se manifestam através da beleza e do brilho individual, como uma ação/prática política.
Continuei acompanhando Karol no programa de Ana Maria Braga, no dia seguinte, com o mesmo objetivo. Karol não chorou, não permitiu que a colocassem no lugar de vilã ou vítima, fez uma relação entre algumas atitudes e traumas anteriores vividos por ela. E colocou: “O que posso fazer além de me arrepender e entender que tenho sanidade para procurar ajuda?”. Simplesmente a entrevista não rendeu! Não rendeu porque a lógica dualista de bem e mal não se encaixou na figura de Karol, simples assim.
Qual a lição disso tudo? O que aprendemos sobre Karol Conká, sobre o BBB e sobre o Brasil? Seremos capazes de perdoar Karol? Isso só o futuro dirá. Mas cá para nós, eu realmente receio que sendo Karol, uma mulher e negra, as chances de que ela seja perdoada são bem pequenas, pois o imaginário social e as representações construídas sobre as mulheres negras – tão bem articuladas por Lélia Gonzalez nas figuras emblemáticas da ama de leite, da empregada doméstica e da mulata – não permitem erros, atitudes descontroladas ou egoístas, pois, afinal, muitos acham que viemos ao mundo somente para servir. Independente de quem seja Karol, se uma pessoa boa ou má, se perversa ou qualquer outro adjetivo que possa ser utilizado para definir sua personalidade, o fato de ela ser uma mulher negra traz uma representação negativa que é coletivizada, ou seja, suas atitudes são generalizadas para o nosso grupo de pessoas negras, sobretudo de mulheres negras. A sociedade nos cobra muito mais, em função disso. Talvez ela não consiga se livrar dessa imagem negativa construída no reality, de modo contrário, o que não nos faltam são homens brancos e perversos, verdadeiros criminosos na condução da política e da crise sanitária desencadeada pela pandemia do coronavírus neste país, que continuam agindo livre e impunimente. O que precisamos é mobilizar todas as nossas energias em função de garantir uma sociedade mais justa para todes nós.