O estudante de jornalismo Adauto Menezes e o influenciador Ivan Baron falam sobre os desafios da luta anticapacitista
Por Anna Julia Fagundes e Andressa Franco
Imagem: Arquivo Pessoal
O influenciador potiguar Ivan Baron, engajado na causa anticapacitista – discriminação feita às pessoas com deficiência (PCD) – faz parte do grupo de influenciadores que busca dar visibilidade ao debate de maneira descontraída e simplificada aos seus 244 mil seguidores.
Aos três anos de idade Baron contraiu meningite viral, responsável por uma paralisia cerebral e o deixando com mobilidade reduzida. Segundo a ABPC (Associação Brasileira de Paralisia Cerebral), atualmente, há 17 milhões de pessoas no mundo que possuem o mesmo diagnóstico, além de 350 milhões de pessoas ligadas a uma criança ou adulto com paralisia cerebral. A deficiência é mais comum de ocorrer durante a infância.
“A segregação não era explícita”
O influenciador explica que iniciou seus tratamentos de reabilitação após ter sido diagnosticado, o que fez com que ele só fosse liberado para começar seus estudos posteriormente às demais crianças. Porém, o jovem revela que a escola não era inclusiva e integradora, o que acabou o segregando implicitamente. “Eu estava presente de corpo físico e não via uma didática inclusiva, professores criando dinâmicas em que eu participasse plenamente.”
O influenciador aponta como a segregação não era explícita. “A gente sempre percebia que enquanto todo mundo brincava no parquinho e correndo, eu ficava sentado na cadeira esperando o intervalo acabar. Minha matrícula nunca foi negada por eu ter uma deficiência, mas ao mesmo tempo, eu não sentia pertencido naquele ambiente.”
Em sua convivência escolar, a curiosidade era o que mais intrigava seus colegas. “Quando você discute e explica, sabe que aquele discurso de que ‘somos todos iguais’ está errado, não somos todos iguais, porque não é todo mundo que tem o mesmo ritmo de andar e de falar”, continua.
Atualmente, o digital influencer é formado em pedagogia e explica que a graduação não dá suporte o suficiente para os profissionais aprenderem mais sobre a educação inclusiva, sendo a prática o melhor caminho. Ivan, então, revela uma de suas experiências ao estagiar por conta própria para dar aula a uma aluna com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e outra deficiência intelectual.
“Tinha uma professora que não tinha paciência com ela, em muitos momentos ela mandava a aluna sair da sala”. Ele conta que a profissional se aproveitava ainda mais da situação e pedia para ele ir fazer atividades com a aluna. “‘Ivan, vai fazer a atividade com ela em outro canto’. Isso me doía bastante, mas como eu era estagiário, não podia fazer nada”, diz o jovem.
A luta anticapacitista
Apesar de ser uma pauta constantemente debatida, o capacitismo ainda se mantém enraizado no vocabulário e no comportamento de parte da população. Segundo Ivan, seu conhecimento dentro da luta anticapacitista foi se moldando a partir de 2018, onde por meio de pesquisas se interessou e começou a participar do movimento.
Juntamente a um grupo de influenciadores PCD’s, Baron tem o objetivo de educar de maneira descontraída, tanto às pessoas com deficiência quanto às que não possuem, furando a bolha e espalhando o conhecimento para as demais pessoas.
Mas nem só de redes sociais vive o ativismo anticapacitista. Apesar de não ser ativo nas redes sociais, o estudante de jornalismo Adauto Menezes, de 24 anos, acredita que a luta pela causa PCD se dá no dia a dia e ocupando espaços.
“Uma pessoa com deficiência não pode escolher deixar a deficiência em casa. Eu me considero um ativista por colocar em pauta cada vez mais a causa PCD, seja nos trabalhos acadêmicos, seja me posicionado quando presencio algo que considero errado.”, afirma o estudante.
A escolha pelo curso de comunicação foi a maneira que Adauto encontrou para dar visibilidade a pautas que nem sempre são lembradas. “Eu acredito no poder da comunicação para quebrar paradigmas. Ainda há muito por fazer na inserção de PCD’s na TV, por exemplo. Temos milhões de pessoas com deficiência no Brasil e ainda temos uma mentalidade muito limitada em relação a tudo que somos e fazemos”, argumenta.
As barreiras que encontram são tanto no sentido estrutural na cidade, em organizações, escolas ou prédios públicos, como pela falta de conhecimento das pessoas que “gera o capacitismo na sua forma mais dura e mais excludente”. A preocupação se agrava ao pensar se será acolhido no mercado de trabalho. “Isso é muito difícil porque você sempre precisa se esforçar o triplo pra mostrar que tem capacidade de estar naquele lugar e fazer aquilo.”, completa.
Na infância o estudante chegou a caminhar pelas ruas com o auxílio de muletas, mas com o tempo isso deixou de ser possível. O consenso entre os médicos, é que o jovem tem ossos falcêmicos e geno valgo, quando os joelhos apontam um para o outro e não para a frente.
PCD, negro e morador da periferia
Jovem negro morador do subúrbio de Salvador (BA), e egresso do ensino público, Adauto nota que essa interseccionalidade resulta em um dia a dia com mais desafios. A necessidade de tomar duas conduções tanto para ir como para voltar da faculdade é uma delas. Diante das calçadas muito destacadas, raízes de árvores e locais sem rampa, traçar todo o roteiro antes de sair de casa é indispensável.
“Quando você é uma pessoa negra e ainda com deficiência, parece que as pessoas ficam em dúvida sobre por qual dessas razões vão ser preconceituosas”, pontua. “Eu costumo usar a camisa da UFBA [Universidade Federal da Bahia] para legitimar o fato de eu estar na rua pegando o ônibus. Assim acredito que as pessoas possam pensar ‘ali é um estudante, ele não está só passeando.’”
Ainda assim, a Universidade não foi o espaço inclusivo que Adauto esperava. Durante os dois semestres de 2019, precisou da ajuda de colegas para se locomover dentro do prédio da Faculdade de Comunicação, cujo elevador não funcionava. Apesar do diálogo com a direção, a resposta era de que não havia verba. Para os colegas de Adalto, era comum a presença de sua mãe para auxiliá-lo a chegar nas aulas. “Quando eu ingressei na Facom [Faculdade de Comunicação da UFBA] foi um baque, não esperava que encontraria uma inacessibilidade desse tamanho em uma universidade federal”, lembra.
Hoje, eles contam com o apoio do NAPE (Núcleo de Apoio à Inclusão do Aluno com Necessidades Educacionais Especiais), e desde o primeiro semestre de 2022 o elevador da faculdade funciona normalmente. Para o estudante, muito ainda precisa ser feito em relação a acessibilidade do prédio e também do campus.
“Estamos completando 10 anos da Lei de Cotas, mas agora temos que garantir a permanência de PCD’s. A Lei é uma rampa de acesso, mas eu não posso apenas ter uma rampa de acesso e o interior do prédio não ser acessível”, pondera.
As várias faces do capacitismo
Baron explica que o capacitismo também está incluso no estereótipo de superação que a mídia coloca sobre a comunidade PCD. “Ele é tido como aquele guerreiro, como aquele cara que superou. Reforça que a deficiência é algo ruim. Como se ela precisasse ter essa vida ‘normal’, palavra que deve ser evitada já que ninguém é anormal, nem pessoas com ou sem deficiência”, afirma.
O influenciador destaca que a partir do momento em que a deficiência é vista em primeiro plano e a personalidade é desconsiderada, o capacitismo é vivenciado de maneira ainda mais explícita. “A gente precisa entender que a deficiência não vem primeiro. Então, é sempre bom você criar uma intimidade com essa pessoa pra depois perguntar qual é a história dela”, declara.
Além disso, em alguns casos, a infantilização também acaba sendo uma das barreiras a serem vencidas pela comunidade PCD. Mesmo quando adultos, estas pessoas têm de lidar com comportamentos capacitistas de outros ao seu redor, invalidando suas ações rotineiras, individualidade, desejos e propriedade em tomar decisões.
De acordo com o influenciador, o Brasil é um exemplo de legislação para as pessoas com deficiência, contudo, a lei ainda está apenas no papel. Assim, Ivan reflete sobre a contratação de PCD ‘s em empresas brasileiras, de modo que, ao depender da particularidade de cada um, as oportunidades são ainda mais limitadas.
“Por exemplo, eu tenho paralisia cerebral, mas eu consigo falar e me locomover mesmo com mobilidade reduzida. Então, eu vejo que a empresa vai preferir me contratar à contratar alguém com síndrome de Down. Por mais que essas pessoas tenham todas as possibilidades para exercer as atividades colocadas ao cargo, elas precisarão de uma certa adaptação no vocabulário e no processo educacional, para que ela se adapte com mais facilidade”, desabafa.
Para Adauto, é preciso pensar políticas públicas entendendo que todo corpo vai se tornar um corpo com deficiência devido às limitações de locomoção que vêm com a idade. Um exemplo, acredita, é se reunir com engenheiros e urbanistas PCD para entender o que realmente funciona. “Muitas vezes se tem o esforço de um governante de mudar alguma coisa para acessibilizar espaço, mas de forma que não é funcional.”
O outro ponto é a acessibilidade digital. Apesar da pandemia, onde a maior parte das pessoas viveu no modo online, uma pesquisa da BigDataCorp, em parceria com o Movimento Web para Todos, mostra que os sites no Brasil acessíveis pra pessoas com deficiência são menos de 1%.
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Com intuito de dar visibilidade a falta de estrutura e o capacitismo que ainda permeia os ambientes mundo afora, Baron junto aos seus seguidores, usa suas redes sociais para reportar estes espaços e construir uma central de denúncias.
“A internet, apesar de ser um ambiente tóxico, também é um ambiente democrático quanto a isso. Então, eu me apropriei bastante desse espaço para construir uma conexão com meus seguidores, a fim de denunciar esses locais.”
Baron, então, explica qual o segredo para continuar firme diante de tais situações: “O segredo é enfrentar tudo isso com um sorriso no rosto, porque quando nos veem sofrendo com um sorriso no rosto, incomoda demais. Como já dizia Paulo Gustavo, sorrir é um ato de resistência”, finaliza.