Quantos mais irão morrer pra essa guerra acabar?

Perceba o poder de uma política pública quando no Brasil possui uma política de Estado para assassinar a população preta, seja ela criança, jovem, adulto ou idoso.

Por Luana Brito*

Perceba o poder de uma política pública quando no Brasil possui uma política de Estado para assassinar a população preta, seja ela criança, jovem, adulto ou idoso. Assassinar crianças negras é uma política de Estado no Rio de Janeiro, cidade com a maior população do mundo destituída e escravizada da África para o Brasil.

Muitos futuros são silenciados e a cada dia ecoa ainda mais alto o grito por justiça de muitas crianças assassinadas por esse estado genocida. Cansa, dói, nos sentimos castradas no sentido mais doloroso que é essa palavra. Como pensar e sonhar e ter filhos nesse Brasil? É um projeto muito bem planejado e arquitetado em curso a muito tempo, mas com a pandemia e o isolamento social, as coisas ficaram mais evidentes.

Quero que as nossas crianças pretas não sejam tratadas com uma mera nota de jornal, um número nas estatísticas ou mais uma simples publicação em redes sociais. Estou cansada dessa política midiática de noticiar todos esses horrores e não fazer nada. É muito fácil publicar e republicar estando neste lugar de isolamento social. Pois, vemos muitos se arriscando para garantir a alimentação de famílias em extrema pobreza, na luta diária de pessoas que não estão ali fazendo seu assistencialismo, entregando uma cesta básica.

Falando nisso, sabia que o estado Brasileiro, bem como outros países, têm o dever de prover o direito de qualquer ser humano ter um alimento adequado e saudável respeitando suas culturas e biodiversidades. Estou cansada de marcas e empresas repetirem um padrão ridículo e desumano de ir na periferia e entregar cesta básica, querendo vangloriar, postando no seu IG achando que vai sensibilizar. Sim, sensibiliza, mas a bolha branca hipócrita que não pensa no todo e que tudo faz, que além disso, compactua com o sistema capitalista e explorador que mantém essa estrutura assassina.

Você quer auxiliar?! Então invista a sua energia cobrando os seus políticos e candidatos sobre o plano de trabalho deles. Você se lembra por que votou nele e qual era o projeto desse mandato, quais são suas lutas suas frentes políticas? Aproveite seus privilégios nesta sociedade e encha o saco do prefeito, dos empresários e de suas confrarias para fazer algo de útil, de seus/suas amig@s blogueiros, mas já digo se tiver intenção maldosa nessa ação, nem preciso lembrá-los que o tombo será feio.

Nas últimas semanas ouvi novamente um discurso da esquerda brasileira de voltar a base. Vocês ainda não entenderam sobre isso né?  E não somos obrigadas a dizer a vocês como funciona as coisas, até porque sobrevivemos desde que nossos ancestrais foram arrancados e trazidos à força para cá. Com todo respeito aos militantes de partidos políticos, principalmente que estão chegando  – ATENTEM-SE ESTAMOS MORRENDO! Seja por tiro, por fome, em falta de leito em hospital ou na rua.

Não quero ter que falar e nem ouvir isso de pret@ algum – “Eles são genocidas e nós somos alvos do Estado! Nós é preto! Você acabou de distribuir 200 cestas básicas, eu não vou te perder mano!” (fala da um dos integrantes do Coletivo na luta contra a Covid-19 na Favela da Cidade de Deus- Rio de Janeiro).

Eu quero que nossas crianças que são e serão nossas futuras gerações VIVAS, nossas sementes. Eu quero que o sistema colapse, que as pessoas de fato   causem verdadeiras revoluções, fechem ruas, provoquem manifestações de parar o bairro, a cidade, o estado  e o Brasil. Que quando um dos nossos tombe, por que tomba uma família inteira, quando um dos nossos é assassinado, baleado o que quer que seja, quando um  dos nossos seja violentado.

Quero parar de implorar para as pessoas não negras de que somos 56 % autodeclarados pretos e pardos neste país e que por isso somos a maioria, somos representativos, em cadeiras de conselhos, coletivos, e na criação e implementação de políticas públicas. Nós nos representamos, representamos a nossa voz!

Diante do atual contexto em que estamos em uma pandemia que se configura em uma crise sanitária, isolamento social, tem-se uma oportunidade única de repensar e superar esse modelo imposto a séculos que destrói a natureza humana e não humana. Bem como Miguel de Barros, sociólogo guineense  nos apresenta em uma de suas entrevistas – A pandemia provocou o “ maior limiar de consciência de que é possível mudar”.

Essa pandemia nos mostra que todo o sistema que vai desde o econômico, cultural e social falhou, o sistema que destrói e acaba com toda a biodiversidade e do planeta. Esse sistema que visa a “produção numa lógica de privatização de saberes e o lucro como elemento fundamental da vida”. Agora que estamos sendo bombardeado por lives e afins, tendo a oportunidade de pensar em ações concretas, seja sozinho em casa, seja com a família, com os vizinhos, enfim com o núcleo que estas convivendo nesse isolamento social. São poucas as pessoas que têm esse privilégio de acessos à internet, e você que tem esse privilégio, eu te convido a criar propostas reais e que sejam úteis não só para você, mas para a sua família, seu bairro, do micro pro macro.

Pesquisas que andam circulando nos apontam que a população negra tem 4 vezes mais  chance de morrer nessa pandemia no Reino Unido e o que você vai fazer pra mudar aqui no Brasil? Como mencionei no início do texto temos uma política de estado que é autorizada a matar pessoas negras (continuarei falando por que é necessário, é urgente) e se não morrermos pela pandemia, morremos assassinados pelo estado, ou seja estamos morrendo e a cada 23 minutos um jovem negro é morto no Brasil. A cada 23 minutos perdemos mais um dos nossos, mas uma das nossas, que sonhava em ser um advogado, um médico, uma professora, um músico, a cada 23 minutos nossas sementes morrem.  E você com todos os seus privilégios o que está fazendo para isso ter um fim? O que significa pra você #vidasnegrasimportam? Quantos dos noss@s ainda vão ter que morrer pra essa guerra acabar?.

Florianópolis, 28 de maio de 2020.

 

* Luana de Brito é estudante de Ciências Sociais, pesquisadora, ativista e militante na área da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da população negra, atua no GTs de comunicação da AMNB e Redessan

 

 

 

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