Quem enxerga nossas meninas? Casos de violência sexual vieram a tona em várias universidades do país

O sonho da universidade é comum entre a população brasileira. Muitas das nossas meninas ao entrar no espaço universitário, se deparam com um ambiente completamente diverso, novo e com oportunidades.

Por Luna Santana

O sonho da universidade é comum entre a população brasileira. Muitas das nossas meninas ao entrar no espaço universitário, se deparam com um ambiente completamente diverso, novo e com oportunidades.  Mas, por trás das primeiras impressões, existe um lado obscuro, reflexo dos índices alarmantes de violência sexual que o Brasil tem registrado. 

Durante todo o ano de 2023 casos de violência sexual em universidades vieram à tona, mostrando o quanto a cultura do estupro e violência de gênero persistem mesmo nestes ambientes de ensino. 

No dia 27 de janeiro de 2023, a estudante de jornalismo Janaína Bezerra foi brutalmente assassinada durante uma calourada em uma sala de aula na Universidade Federal do Piauí (UFPI) – no Campus Petrônio Portela, em Teresina (PI). A UFPI em seguida publicou uma nota  onde lamentou o fato e informou que o evento não tinha autorização para ocorrer. A universidade ainda em nota diz que “desaprova quaisquer eventos que coloquem em risco a comunidade acadêmica e preza pela segurança e bem-estar de estudantes”.  Disse ainda que se solidariza com familiares e amigos da vítima, e que estaria à disposição para apoio e providências.

Em janeiro deste ano, Janaína Bezerra foi brutalmente assassinada durante uma calourada em uma sala de aula na Universidade Federal do Piauí (UFPI) – Imagem: Ellen Pessoa

De acordo com o Anuário de Segurança Pública, em 2022 em relação ao ano de 2021 a taxa de estupro e estupro de vulnerável cresceu 8,2% e chegou a 36,9 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. Esta é uma situação que se reflete também no ambiente universitário e vitimam majoritariamente meninas e mulheres.

Não foi um caso isolado

“Estávamos na festa e aí ele chegou me agarrou e apertou minha bunda e no mesmo segundo ele pediu desculpas. Depois disso abri um BO também na delegacia da mulher e agora está correndo na justiça. Ele mesmo admitiu que me assediou.” 

O relato é de uma estudante da UFPI que vamos chamar aqui de Letícia para preservar sua identidade. A denúncia feita por ela foi levada para o departamento do curso que informou que iria encaminhá-la à Pró-reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários (PRAEC/UFPI), para adoção de medidas cabíveis. Porém, a vítima não obteve respostas e para evitar mais um mal estar, optou por não cobrar uma posição da universidade. Após seis meses do ocorrido, o boletim de ocorrência feito em março corre na justiça e o rapaz ainda não foi intimado.

“Os espaços em que essa pessoa que me assediou está, são espaços que eu não entro. Pessoas sabiam o que tinha acontecido, mas normalizaram […] durante o processo eu perdi muitos amigos e amigas, porque não foi levado em consideração tudo o que aconteceu”, conta Letícia.

Enviamos um email para a universidade que pediu mais detalhes sobre o caso para apurar com os órgãos competentes da instituição, mas não retornou com as respostas.

Imagem: Ellen Pessoa

Outros casos de maior repercussão  

UnB

Em março de 2022, uma estudante de letras de 18 anos da Universidade de Brasília (UNB) foi violentada em um terreno baldio enquanto ia ao ponto de ônibus dentro do campus. O Instituto de Letras disse em nota:

“Constatamos, com enorme consternação, que não é a primeira vez que uma estudante do nosso Instituto é vítima de violência sexual no caminho entre a UnB e a via L2”.

O homem apontado pela vítima se apresentou à UnB e prestou depoimento à Polícia Civil do Distrito Federal que depois informou que por  envolver a intimidade da vítima, não poderia dar atualizações sobre o caso.

UNISA

As imagens de abril de 2023. que viralizaram somente em setembro, mostram alunos do curso de medicina seminus tocando as partes íntimas na arquibancada durante um jogo de vôlei femininino da Universidade Santo Amaro (UNISA) contra o time de outra universidade, em São Carlos (SP). Os 15 alunos identificados no vídeo foram expulsos da Universidade, mas uma liminar da justiça concedeu aos alunos o retorno para o curso. A UNISA não se pronunciou, mas o advogado da instituição afirma que haverá uma sindicância interna para discutir possíveis penalizações dos estudantes. 

Medidas de prevenção

O crime de importunação sexual se configura em praticar atos libidinosos contra uma pessoa sem seu consentimento, quando essa prática ou tentativa inclui ameaça ou violência física já passa a ser crime de estupro, com uma pena mais grave, mas ambos estão passiveis à pena de reclusão. No entanto, apesar de existirem mecanismos que punam esses crimes, estes mecanismos não dão conta da cultura do estupro alastrada históricamente no Brasil.

A Lei Nº 14.540, de 3 de abril de 2023, que institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual em instituições publicas e privadas, existe para colocar estas pautas no dia a dia das organizações e tentar coibir esses atos. A UFPI criou um grupo de trabalho (GT) de enfrentamento à violência de gênero formado neste ano com o intuito de pensar em formas mais eficientes de gerar o debate de gênero dentro da instituição. A coordenadora de avaliação e regulação acadêmica e presidente do GT, Edna Magalhães, afirma que o objetivo é colher dados de pesquisas feitas ao decorrer do ano, para que em dezembro seja enviada uma resolução aos Conselhos Superiores da universidade.

“Então a gente pensou na política institucional de valorização e proteção das mulheres organizada por meio de alguns programas de acolhimento, extensão e de revisão de normas da instituição.”

Sobre o desenrolar da resolução e o diálogo com a reitoria, a presidente afirma que tem sido positivo.

Edna Magalhães, coordenadora de avaliação e regulação acadêmica e presidente do GT – Imagem: Wallace Alves

As dificuldades de viver o luto

Dentro desse cenário, muitas pessoas acabam sendo afetadas – as vítimas, o círculo de convivência, os funcionários – e são diversos os prejuízos que essas violências trazem. Estudantes que prestam auxílio a outros estudantes, como é o caso do Centro Acadêmico, tiveram a difícil tarefa de acolher a comunidade estudantil fragilizada enquanto viviam o luto diante da perda de Janaina. 

Clara Bispo, componente do Centro Acadêmico de Jornalismo, relata que tem sido difícil para ela e colegas da jovem continuar os estudos. Ela aponta que não há um ambiente de conforto. “A gente continuou vivendo, meio que fingindo que está tudo bem. Mas está sendo um processo bem difícil. Eu fico realmente dissociando desses assuntos mais densos, principalmente violência de gênero, porque eu entro numa seara de ansiedade muito grande.” 

Clara Bispo, componente do Centro Acadêmico de Jornalismo – Imagem: Wallace Alves

O ensino na universidade é apenas um dos pilares sob os quais a instituição opera, tendo diversos espaços a oferecer aos estudantes. Embora as normas de preservação do patrimônio e estrutura sejam sempre temas recorrentes, a preservação do corpo discente deve ser priorizada – a comunidade estudantil é o principal patrimônio das universidades. 

O caso Janaína ainda corre na justiça,  depois de dois adiamentos o julgamento aconteceu no dia 29 de setembro  e teve fim no dia 30, após todas as testemunhas e o acusado serem ouvidos. O assassino foi condenado a 18 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de homicídio qualificado, emprego de meio cruel, estupro de vulnerável, vilipêndio de cadáver e fraude processual. A advogada de acusação questionou a pena aplicada ao condenado e disse que irá recorrer do caso. 

Imagem: Ellen Pessoa

Se você está sofrendo alguma violência, ou sabe que alguém está sendo vitima, denuncie, ligue 180, a Central de Atendimento à Mulher está disponível 24 horas.

Esta reportagem faz parte da série: Vozes Insurgentes de Mulheres Negras contra as violências sexuais

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