Neste Julho das Pretas, perguntamos: quando a EBC incluirá as mulheres negras brasileiras?

Radiodifusão pública deve refletir a diversidade da população brasileira na estrutura e nos conteúdos

Radiodifusão pública deve refletir a diversidade da população brasileira na estrutura e nos conteúdos

Por Camila Marins e Isabela Vieira*

Imagem: Agência Brasil

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) passa por uma série de mudanças desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Palácio do Planalto pela terceira vez, em 1º de janeiro deste ano, trazendo a esperança de uma gestão democrática e popular também para o sistema de radiodifusão público, incluído na Constituição Federal de 1988. Nos últimos anos, a EBC, criada para organizar o campo e promover o direito à informação, foi desmontada para divulgar ações do presidente Jair Bolsonaro e injetar recursos em emissoras privadas, das quais produtos racistas foram comprados, tais quais novelas bíblicas e séries de TV.

Agora, observamos a empresa ser ocupada por profissionais sem conexão com parâmetros da comunicação pública. Entre eles, a participação popular e a diversidade, tanto na estrutura, quanto nos conteúdos. Onde estão negras, negros e negres que o presidente da EBC, Hélio Doyle, disse que tinha à disposição, em declaração à Folha de S. Paulo?

Passados sete meses de governo, ontem (25) foi anunciada a criação oficial do Canal Gov, acertadamente, para que o governo federal possa comunicar seus feitos à população e pare de interromper os desenhos animados da TV Brasil. Permanecemos, no entanto, aguardando a nova grade dos veículos públicos, em especial das rádios e da TV Brasil, incluindo a contratação/promoção de pessoas negras, além dos editais de coprodução, estimulando o audiovisual independente de todas as regiões do país.

A demora passa a impressão de ausência de projeto para a EBC, o que fica latente quando, após todo esse tempo, a própria programação da TV Brasil não tem sequer uma apresentadora negra. Nas Rádios, permanece o silêncio sobre conteúdos que poderiam dialogar com a juventude negra, populações periféricas e combater a desinformação. E, nas redes sociais, também é sentida a ausência da contribuição de artistas negras, esquecidas das listas publicadas em formatos de posts. Por ali, nas redes, recentemente, vimos ainda cenas de violência e sensacionalismo que passam a impressão de termos errado de canal.

A mídia comercial, os canais abertos, notadamente, já entenderam que não conseguirão mais “vender seus produtos” se não encontrarem “aderência” no público. O professor Richard Santos, da Universidade Federal do Sul da Bahia, há anos critica a TV pública brasileira por não gerar identificação na própria população. Em 2014, Santos analisou o programa Nova África, da TV Brasil (e do qual despontou a hoje apresentadora Aline Midlej). Ele encontrou uma TV branca, da gestão ao conteúdo, apesar de a emissora ter, na época, mais apresentadores negres que agora.

Em “Branquitide e televisão: a nova África (?) na TV pública, Santos retoma problemas já discutidos no Fórum Nacional de TVs Públicas sete anos antes, quando o pesquisador e cineasta Joel Zito Araújo preparou uma publicação mostrando a ausência de negros, negras e negres nas emissoras públicas estaduais (como profissionais, como entrevistadas e na gestão). Ali, artigos de Sueli Carneiro e Jurema Werneck lembravam o papel ao qual mulheres negras tinham sido relegadas na radiodifusão, como as “macacas de auditório”[1], da Rádio Nacional. As pesquisadoras e ativistas defendiam, já naquela época, ações afirmativas na gestão e em órgãos de controle dos veículos.

Voltemos a 2023. A única apresentadora negra (e com experiência na radiodifusão pública, importante mencionar) foi demitida da TV Brasil para criação de cargos na área que presta serviço ao governo, conforme denunciou a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj). Enquanto isso, foram confirmadas as contratações de uma série de jornalistas brancos para programas e para a gestão. Há mais acertos em curso.

A população negra brasileira olha para a EBC como a materialização de, digamos, ação afirmativa na comunicação, uma vez que os jornais, em geral, no Brasil, foram fundados e são geridos por pessoas brancas, por homens, conforme escancarou pesquisa do GEMAA/UERJ. É preciso que a atual gestão da EBC se dê conta disso e inaugure, de fato, uma nova época. Não há necessidade de a sociedade brasileira financiar mais uma TV com conteúdo similar aos dos meios hegemônicos e formatada da mesma forma por e para pessoas não-negras. Tampouco, a comunicação de governo deve ser a prioridade. Isso seria um desvio da lei da EBC. A Unesco[2] já reportou que “a maior ameaça à radiodifusão pública advém das tentativas de controle das emissoras públicas pelo governo e da subordinação da transmissão dessas emissoras aos interesses dos poderes vigentes”.

É preciso familiaridade com o Artigo 2° da Lei que criou a EBC 11.652/2008. E à sociedade cabe cobrar que os recursos públicos sejam para a comunicação pública com pluralidade, facilitando acesso da população negra em toda sua diversidade aos meios de comunicação.

*Camila Marins é jornalista, mestranda em políticas públicas em direitos humanos pela UFRJ, feminista negra lésbica e editora da Revista Brejeiras. Foi diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro.

*Isabela Vieira integra a Cojira-Rio, é mestranda da ECO/UFRJ, ativista pelo direito humano à comunicação e fundadora do Núcleo de Empregades Negres da EBC. Jornalista concursada da empresa, está de licença maternidade.


[1] O termo foi cunhado em referência racista às mulheres negras que faziam a “curadoria” musical nos programas de auditório da Rádio Nacional ao se organizarem em torcidas por intérpretes e por composições.

[2] MENDEL, T. Serviço Público de Radiodifusão: um estudo de direito comparado. Brasília: UNESCO, 2011.

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