Por Andressa Franco
Salvador (BA) recebeu na última quinta-feira (8) pela primeira vez a abertura oficial do Mês da Filantropia Negra (Black Philanthropy Month).
Pelo quarto ano consecutivo, o Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE) traz o evento ao Brasil. Trata-se de um movimento iniciado nos EUA em 2011 com o objetivo de promover a prática filantrópica de pessoas negras e destacar a importância da equidade racial no investimento social.
O encontro, realizado anualmente em agosto, acontece em diversos países e regiões, como EUA, Canadá, África, Caribe e, desde 2021, no Brasil. Este ano, a edição teve como tema “Futuros da Filantropia Negra – uma homenagem a Martin Luther King e Nêgo Bispo”. O evento foi inspirado na interseção entre afrofuturismo, filantropia negra e as ideias de Nêgo Bispo para a construção de um futuro próspero para organizações e comunidades negras. Participaram representantes de organizações da sociedade civil, de movimentos sociais, do setor privado e do terceiro setor.
“Eu gosto de pensar afrofuturismo como um recurso que a gente mobiliza para discutir futuros a partir de perspectivas de futuro que não são as ocidentais, distópicas, destrutivas, colonialistas. Eu acho um ótimo provocador, um bom começo de conversa”, explicou Morena Mariah, apresentadora do podcast Afrofuturo, e uma das oradoras do evento.
A atividade aconteceu no Espaço Cultural da Barroquinha, e teve início com uma apresentação da escritora Eliana Alves Cruz, ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 pelo livro “A vestida” e do Prêmio Oliveira Silveira de 2015 pelo seu romance de estreia, “Água de barrela”, e apresentadora do Programa Trilha de Letras, da TV Brasil.
Também reuniu para a mesa de debate sobre “Futuros da Filantropia Negra” nomes como Joelma Ferreira, urbanista e cofundadora e diretora Executiva do Instituto Rainha do Mar; Lucas Campos, doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Social da UFBA; Sônia Dias Ribeiro, diretora da Escola Comunitária Luíza Mahin; Manuela Thamani, co-diretora executiva do Observatório da Branquitude; Morena Mariah, apresentadora do podcast Afrofuturo; e Valdecir Nascimento, fundadora do Instituto Odara e Coordenadora do Brasil na Red. de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de la Diáspora.
Em sua fala, Valdecir demarcou a importância de pensar a continuidade a partir das próximas gerações. “Nossa tarefa não é falar todo dia das dores, mas como eu convenço cada menino e menina negra dessa cidade que ela é um raio de sol que tem que brilhar, e tomar a direção dessa cidade.”
A ativista também chamou atenção para a capacidade criativa e inventiva histórica da população negra para enfrentar os desafios. Especificamente sobre o setor filantrópico, ponderou que, apesar de alguns financiadores estarem se sensibilizando em relação ao apoio a organizações negras, ainda é preciso entender que a filantropia não pode ser vista como um favor.
“Os filantropos, que são brancos, que estamos conseguindo sensibilizar, ainda precisam entender que se o Brasil muda e melhora para a população negra, melhora para eles também. A filantropia não pode se movimentar achando que está fazendo favor.”
A fundadora do Odara lembrou também da importância de diversificar o apoio às organizações, ao invés de centralizá-lo.
“Nós não trabalhamos sozinhas, temos um ecossistema de organizações de mulheres negras. Não queremos ganhar recursos sozinhas, então provocamos a filantropia todos os dias, que o Nordeste sabe o que fazer e precisa de recursos para fazer. Por isso nós construímos a Rede de Mulheres Negras do Nordeste, com mais de 40 organizações”, discursou sob aplausos.
Na sua vez de participar do debate, Manuela destrinchou alguns dos conceitos explorados por Nego Bispo em uma de suas obras: “A terra dá, a terra quer”.
“A reflexão que Bispo nos convida a fazer é como a branquitude se configura como um movimento incessante de reconfiguração sempre com objetivo de substituir o plural pela unidade, a diversidade pela monotonia. É um ciclo vicioso que busca sufocar a multiplicidade de vozes, impondo uma visão única e limitada de mundo, cujas consequências são inevitavelmente predatórias.”
Manuela questionou ainda o papel da filantropia, quando esta não pressiona a branquitude.
“A filantropia, assim como o adestramento, pode ser uma forma de manipulação. Para ser transformadora, a filantropia precisa romper com essa lógica adestradora. É preciso quebrar o pacto narcísico da filantropia. Torna-se evidente que um novo começo só é possível se falarmos de reparação”, completou.
A manhã terminou com uma descontraída conversa com duas Irmãs da Irmandade da Boa Morte, uma das mais antigas confrarias religiosas afro-brasileiras e considerada patrimônio imaterial da Bahia, com reflexões sobre as estratégias articuladas pela população negra para sobreviver e buscar autonomia e liberdade desde o período escravocrata no país.Pela tarde, foi realizado o workshop “Filantropia negra enquanto prática ancestral: traduzindo princípios negros, indígenas e quilombolas em práticas institucionais”.
Assista o evento completo: