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“Sem as mulheres negras, não tem Brasil” – conheça Thânisia Cruz, cria da Ceilândia (DF) em Marcha por Reparação e Bem Viver

Em mais um perfil da série Mulheres que Marcham, apresentamos Thânisia Cruz, educadora, produtora cultural, coordenadora de projetos e uma das principais lideranças do Distrito Federal na construção da 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras
Colagem: Karla Souza

Por Elizabeth Souza

“Eu me sinto muito mais preparada hoje, porque as mulheres negras me prepararam”. É assim que Thânisia Cruz se posiciona perante à sua própria história nesses 33 anos de estrada. Nascida e criada na Ceilândia – Região Administrativa e um dos maiores territórios periféricos do Distrito Federal (DF) – ela é uma das importantes lideranças do Centro-Oeste do país que tem contribuído com a construção da Marcha Nacional das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que acontecerá no dia 25 de novembro, em Brasília (DF). 

“Por conta do perfil das mulheres negras no Brasil, eu tenho várias profissões. Então, eu sou professora especializada em Letras-Francês, educadora, produtora cultural local, coordenadora de projetos e coordenadora executiva”, apresenta-se Thânisia, que orgulhosamente também é mãe, de Axé, ariana e ativista do movimento de mulheres negras. 

Thânísia, aos 23 anos, viu a 1ª Marcha Nacional das Mulheres Negras acontecer, em 18 de novembro de 2015, em Brasília, quando cerca de 100 mil mulheres marcharam “Contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver”, tema reivindicado à época. Hoje, ela participa ativamente da construção da 2ª edição na coordenação de Logística do Escritório da Marcha e no Comitê Impulsionador no DF. 

“Devemos marchar em 2025, porque nada está dado para nós, mulheres negras”, destaca a educadora em referência aos descasos sociais que afetam a vida da população negra e, particularmente das mulheres negras, em regiões como o DF.

O território

O território que Thânisia habita, o DF, abriga a Capital Federal, Brasília. Essa região é conhecida por ser o centro dos Poderes, tendo em vista que as sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário se encontram ali: Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF), respectivamente.

Apesar de toda pompa que possa habitar o imaginário de quem não vive em Brasília e reduzir o DF apenas à jovem capital federal  – seja por seu contexto político, pela arquitetura moderna que incrementa a cidade detalhadamente planejada ou pelos carros importados dos ricos servidores públicos e empresários que enobrecem as garagens dos metros quadrados mais caros da unidade federativa – esse é um território profundamente marcado pela desigualdade. Contraste que habita tanto o Plano Piloto como as Regiões Administrativas (RAs), sendo o racismo  seu principal alicerce. 

Imagem: Arquivo Pessoal

Nascida na Ceilândia, Thânisia precisou se atentar à essa realidade ainda muito jovem, por volta dos seus 19 anos.  Start que se deu a partir de um episódio trágico que marcou a história de sua família: o assassinato de um primo em uma via pública em plena luz do dia. 

“O que motivou a minha busca por algum coletivo que fizesse sentido para a minha realidade foi o assassinato do meu primo e também o fato da minha própria família ter um histórico que exigiu uma reflexão sobre o abandono do Estado e sobre o racismo”, comenta. 

Desafios

Abandono esse que atinge em cheio o maior grupo populacional do DF: as mulheres negras. De acordo com dados do levantamento “Raça/cor: perfil étnico-racial da população no DF de 2021”, elas são 28,7% da população. À época, o estudo mostrou que pessoas negras correspondem a 57,1% dos habitantes do DF. A presença majoritária delas também está nos espaços de subalternidade: as mulheres negras formam o maior contingente nas classes D e E, possuem a menor taxa de nível de escolaridade superior (26,93%) e representam a maior proporção de pessoas sem estudo formal (5,18%) no DF. 

“Ser mulher negra no Distrito Federal é entender e ser chamada à atenção a todo tempo que: a maioria de nós não está concursada, não está na UnB [Universidade de Brasília], nem todas estamos com o prato de comida na mesa, nem empregadas. Muitas de nós têm trabalhos sucateados, que não nos dão oportunidade para ter dignidade plena”, opina a educadora, que ainda menciona o que considera um dos principais desafios que têm enfrentado a partir do espaço que ocupa enquanto mobilizadora da Marcha.

Imagem: Arquivo Pessoal

“Posso dizer que o maior desafio para mim, é trazer outras mulheres comigo”, aponta. “A gente se engana muito sobre a realidade do DF, no sentido de imaginar que as mulheres têm liberdade para pedir uma licença e saírem para estarem no momento de mobilização política. Essa não é uma verdade absoluta, infelizmente. Muitas mulheres não são nem CLT”, diz Thânisia. 

Apesar de Brasília ocupar uma posição central no país, o deslocamento até a capital impõe grandes desafios para a participação de mulheres negras na Marcha. As longas distâncias enfrentadas por quem vem do Norte, Nordeste ou mesmo do Sul do Brasil dificultam a presença de muitas representantes. Para aquelas que precisam viajar de ônibus, a jornada pode ser exaustiva; já o transporte aéreo, além de caro, expõe as mulheres negras a barreiras simbólicas e estruturais, como o racismo nos aeroportos

Diante dessas barreiras geográficas e econômicas, Thanísia afirma que os os comitês da Marcha exercem um papel resolutivo ao articular apoios, mobilizar recursos e criar estratégias para garantir que essas mulheres possam estar em Brasília.

“Para trazer solução perante esses desafios, os comitês locais, junto com o Comitê Nacional e as organizações parceiras, se empenham muito em buscar apoio para dar visibilidade à pauta. Esses apoios são fundamentais, porque sem eles não se faz uma camiseta, não se realiza uma reunião, as articulações, nem se criam condições adequadas para estarmos juntas na Marcha”, observa.

O encontro

Esses obstáculos sociais, econômicos e geográficos evidenciam a dimensão da luta que a Marcha de Mulheres Negras busca enfrentar e tornam ainda mais significativas as trajetórias individuais que se entrelaçam nessa construção coletiva. É nesse contexto que a história de Thânisia ganha relevo, mostrando como sua aproximação com a Marcha nasceu de experiências concretas de mobilização e trabalho, marcando um ponto de virada em sua vida.

O primeiro contato dela com esse movimento histórico se deu a partir de um trabalho realizado na Secretaria de Igualdade Racial no Distrito Federal, entre o final de 2014 e o início de 2015. Ela conta que a oportunidade de trabalho surgiu a partir dos caminhos que passou a trilhar nos movimentos sociais, como o coletivo Yaa Asantewaa – do qual faz parte desde 2013. Em seu perfil no Instagram, o grupo se autodescreve como: “Kilombo com K, Afrocentrado, Afetivo, Mulherista e Matri-gestor. Nossa Aldeia reúne mulheres insubmissas.” 

“Daí em diante, eu fui convidada para prestar um serviço dentro da Secretaria. É nesse momento que eu conheço as mobilizações e a organização da Marcha de Mulheres Negras”, relembra.

Ela conta que quando a primeira Marcha aconteceu em 2015, uma chave virou em sua cabeça, lhe motivando a tomar decisões que até hoje direcionam seus caminhos. “Olhei para toda aquela situação e percebi que meu lugar não era sentada em uma cadeira dentro da Secretaria de Igualdade Racial. Fui pra Secretaria de Educação mobilizar as infâncias e as juventudes”,  revela. 

Imagem: Arquivo Pessoal

Naquele momento, a docente realizou uma modalidade de concurso de contrato temporário, passando a dar aula de francês dentro da Secretaria de Educação. “Entre idas e vindas, fiquei cinco anos como professora. Em 2016, nesse mesmo ínterim, passo a me engajar nas mobilizações do pós-marcha”, emenda. 

Engajamento que lhe fez alcançar e testemunhar o germinar das sementes plantadas pela Marcha através do fortalecimento da mobilização da juventude negra. Nesse sentido,  Thânisia participou da Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas (ANJF) ao longo dos sete anos em que a organização atuou, colaborando com o segundo encontro de Negras Jovens Feministas, realizado em setembro de 2017.

Construindo caminhos

Hoje, os mesmos olhos esperançosos que viram e participaram da 1ª edição da Marcha  em 2015, permanecem brilhantes e ansiosos pela onda que tomará conta do planalto central em 25 de novembro. Dessa vez, o movimento será ainda maior: um milhão de mulheres do país e de diversas partes do mundo devem estar presentes e em marcha por Reparação e Bem Viver.

“Participo da marcha hoje com os aprendizados acumulados durante todos esses anos.  Então, apesar dos inúmeros desafios, eu me sinto muito mais preparada”, reforça Thanisia que ainda menciona o papel crucial das mulheres negras para a construção de um Brasil aliado à verdadeira justiça social. 

“Sem as mulheres negras não tem Brasil. Temos um papel crucial para estabelecer um novo projeto de país que não seja capitalista, que não seja racista, que não reproduza o patriarcado”, conclui. 

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