Sem previdência, sem direitos trabalhistas e com fome: a realidade invisível dos entregadores de aplicativo

Pesquisa revela que 32% dos entregadores vivem em insegurança alimentar e 72% não contribuem com a Previdência Social

Por Karla Souza

No mais recente Breque Nacional dos Apps, realizado entre 31 de março e 1º de abril, entregadores de aplicativos de todo o país paralisaram suas atividades em protesto contra a baixa remuneração e a ausência de direitos trabalhistas. Mesmo com adesão expressiva e queda total na demanda em diversas cidades, o movimento terminou sem qualquer avanço em negociações formais com as plataformas. O silêncio das empresas revelou o abismo entre a força de trabalho negra e periférica que sustenta o setor e as empresas que lucram com a informalidade.

A negociação entre empresas e trabalhadores segue travada. Sem uma legislação específica que regulamente a atuação dos entregadores de aplicativo, não há obrigatoriedade de negociação coletiva com as plataformas como iFood, Uber Flash e 99 App. Na prática, isso impede que esses trabalhadores tenham representação formal ou voz nos processos que afetam diretamente suas condições de trabalho.

A proposta enviada pelo presidente Lula ao Congresso no dia 4 de abril adiciona mais um elemento a esse impasse. O projeto de lei prevê que 25% da renda bruta de motoristas e entregadores de aplicativos seja destinada ao INSS, com 20% pagos pelas empresas e 7,5% descontados dos trabalhadores. A medida, no entanto, excluiu os entregadores por falta de consenso entre governo, empresas e representantes da categoria.

Segundo o iFood, se a proposta for mantida, apenas 7% dos entregadores conseguiriam atingir o valor mínimo de R$ 105 mensais para garantir a cobertura previdenciária. “Ela desagrada igualmente o trabalhador, porque ele não vai pagar essa quantia para o governo e não ser efetivamente incluído na previdência”, afirmou Lucas Pittioni, vice-presidente jurídico da empresa.

Desigualdade da categoria em dados

Ao mesmo tempo em que discutem Previdência, os entregadores enfrentam uma realidade mais urgente. Uma pesquisa realizada pela ONG Ação da Cidadania revela que 32% deles vivem em algum grau de insegurança alimentar. Os dados, colhidos entre 1.700 trabalhadores das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, indicam que a maioria da categoria tem dificuldades para garantir alimentação regular e completa. Em alguns casos, trabalhadores deixam de comer para garantir que os filhos possam se alimentar.

“Ou não comem uma refeição completa, ou não têm acesso à proteína, ou precisam pular refeições para garantir que os filhos se alimentem”, declara Rodrigo Afonso, diretor executivo da organização. Segundo o levantamento, a taxa de insegurança alimentar entre entregadores é mais de três vezes maior que a média nacional entre trabalhadores ocupados, estimada em 9,4%.

A rotina dos entregadores também é marcada por jornadas longas e ausência de direitos. Cerca de 60% dos entrevistados trabalham todos os dias da semana por até dez horas diárias, sem qualquer vínculo formal ou proteção social. Ao mesmo tempo, 72% não fazem contribuições previdenciárias, o que os deixa fora de benefícios como aposentadoria, auxílio-doença e licença-maternidade.

A vulnerabilidade é ampliada por outros dados do estudo: 41% dos entregadores já sofreram acidentes enquanto trabalhavam, e 16% precisaram se afastar. Sem seguro de vida ou plano de saúde, a maioria recorre ao SUS. Quase 70% também não têm seguro para seus veículos, o que significa que arcam com os prejuízos em caso de sinistro. Ainda segundo a pesquisa, 66,6% dos entrevistados são chefes de família e sustentam seus lares exclusivamente com a renda obtida nas entregas.

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