Por Catiane Pereira
Intérprete, coreógrafa, pesquisadora da dança e mobilizadora da Rede Não Bata Eduque. Esta é Pérola Magalhães, jovem de 18 anos que inspirada pela Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo a Violência e Bem Viver e pelas mais velhas, foi responsável por propor a criação do Grupo de Trabalho de Juventude do Comitê Impulsor Estadual do Rio de Janeiro para a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, articulando a nova geração rumo ao dia 25 de novembro de 2025, em Brasília (DF).
Nascida e criada em Itaboraí (RJ), no leste metropolitano do Rio de Janeiro (RJ), Pérola cresceu entendendo que ser uma jovem negra no Brasil é, por si só, um ato político. Ainda no ensino médio, participou do grêmio estudantil e ingressou na militância contra o racismo em sua escola.
Sua trajetória política se fortaleceu ainda mais no município em 2022, quando participou da fundação do Coletivo Axé em Luta, criado após um episódio de racismo religioso na cidade. Um pastor responsável pela ocupação de uma antiga casa de shows passou a perseguir povos de terreiro, o que levou jovens da região a organizar um ato público de resistência. “Não queríamos que fosse só um protesto pontual, mas uma luta contínua pelo nosso axé”, lembra. Desde então, o coletivo segue atuando na defesa das tradições de matriz africana, e Pérola segue presente em todas as suas etapas.

Na escola, também protagonizou uma das primeiras mobilizações após relatos de ofensas racistas e LGBTfóbicas de um estudante. Ela organizou um protesto reunindo diversas turmas em marcha contra a violência na unidade escolar. “Se o silêncio é crime, omissão também é”, gritava ao microfone. Ali, descobriu que gostava, e tinha vocação, para a militância.
Artivismo
Para Pérola, não há separação entre arte, educação e política. Estudante de teatro na Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch, no Rio de Janeiro, ela sonha cursar Artes Cênicas e depois Dança na Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Arte, educação e cultura andam de mãos dadas, não tem como separar”, defende. Sua atuação no coletivo Axé em Luta também revela como a fé e o ativismo caminham juntos.
Seus projetos futuros incluem criar uma marca inspirada em Oxum e Iansã para fortalecer a autoestima das mulheres negras e produzir espetáculos que unam artes cênicas e o sagrado feminino. “A mulher preta já é potência. E quando ela se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, resume Pérola, fazendo referência à frase da filósofa norte-americana Angela Davis, proferida em uma conferência na Bahia em 2017: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.”

Aprender com as mais velhas: revisitar o passado para entender e moldar o futuro
Inspirada no princípio africano de Sankofa – olhar para o passado para compreender o presente e construir o futuro – Pérola propôs no dia 17 de maio o Grupo de Trabalho (GT) de Juventude do Comitê Impulsor Estadual do Rio de Janeiro para a Marcha. O objetivo é mobilizar jovens negras para que se reconheçam como corpos políticos e deem continuidade à luta iniciada pelas mais velhas. “Sentar para aprender com as mais velhas é escutar a história de alguém e querer perpetuar aquilo.”
Para ela, esse esforço é ainda mais urgente porque sente falta de engajamento entre adolescentes de sua geração. Pérola acredita que a tecnologia, ao mesmo tempo em que é uma aliada na mobilização, também pode se tornar um obstáculo. “Acredito que a facilidade que está chegando agora está se tornando um empecilho para o senso crítico, a ponto de gerar alienação. Vejo pessoas da minha geração se acomodando no que têm de facilidade e deixando de pensar no futuro.”
Diante disso, o GT de Juventude investe em parcerias para os meses de setembro e outubro com grêmios, escolas e universidades, usando tanto as redes sociais quanto encontros presenciais. “Nada substitui o tete a tete, olhar nos olhos e trocar ideias”, defende. Pérola explica que a estratégia inclui passagens de sala, panfletagens, uso de vídeos curtos e linguagem acessível para atrair jovens, sem abrir mão da escuta direta e da troca. “Eu quero cativar jovens pretas a pensar: eu tô aqui hoje porque teve gente que veio por mim ontem, e quero estar por elas amanhã.”
Desafios para chegar a Brasília
Assim como milhares de mulheres negras, Pérola enfrenta obstáculos para estar na Marcha de novembro. A questão financeira é uma delas. Como artista e estudante, precisa conciliar freelances, trabalhos como aderecista de cena e mobilizações para garantir os recursos. Mas a jovem não se intimida: “Por mais que eu seja pé no chão, acredito que nós somos do tamanho dos nossos sonhos.”
Ela acredita que estar na Marcha vai lhe fortalecer, inclusive emocionalmente. “Eu mereço estar lá, porque todos os dias a mulher preta enfrenta a solidão de acordar cedo, trabalhar, estudar e resistir. Mas na Marcha, nós não somos minoria, somos multidão.”
Pérola já participou das marchas estaduais do Rio de Janeiro e segue entusiasmada para estar na Marcha Nacional deste ano. Para ela, estar nesses espaços fortaleceu sua visão sobre a importância da luta coletiva e a potência do encontro entre mulheres negras. A jovem considera que a principal reivindicação das mulheres negras hoje, além do Bem Viver, é a Reparação, entendida para ela como acesso real à saúde, educação, moradia e capital.

Pérola também se inspira na Marcha Nacional das Mulheres Negras de 2015, que considera revolucionária e histórica: “A construção coletiva negra daquele momento foi inspiradora. Foi mais um passo de um caminho que agora a nossa geração precisa dar continuidade.”
Procurado pela Afirmativa, o Comitê Impulsor Estadual do Rio de Janeiro para a Marcha afirma que as dificuldades financeiras continuam sendo um dos principais entraves para a execução das ações pela iniciativa. Apesar disso, a coordenação destaca que os trabalhos seguem em andamento.
A coordenadora do Comitê Impulsor Estadual do Rio de Janeiro para a Marcha, Ariane Magalhães, afirmou que a mobilização enfrenta dificuldades financeiras semelhantes às de anos anteriores. “Batemos em muitas portas, apenas algumas abrem. O que conseguimos até o momento ainda é pouco para a nossa necessidade, mas já temos algo garantido”, disse.
No momento, o grupo conta com apoio do Fundo Baobá e com uma emenda parlamentar destinada pela deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), que irá financiar parte da alimentação e a disponibilização de oito ônibus saindo do Rio de Janeiro. Já a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) indicou uma emenda para a instância estadual, e negociações seguem em curso.
De acordo com Ariane, a maioria das instituições e parlamentares negros já foi acionada e há expectativa de novos retornos, embora até agora os recursos confirmados sejam apenas os já anunciados. As doações estão sendo recebidas por meio da Casa das Pretas, instituição responsável por centralizar os repasses. Paralelamente, entidades que compõem o comitê também têm buscado apoios de forma autônoma.
Força ancestral e futuro coletivo
Com apenas 18 anos, completados recentemente em 17 de agosto, Pérola traz em si a herança das mais velhas e o vigor da juventude. Suas referências vão de Lélia Gonzalez, Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus a Elza Soares e sua mãe, Ariane. A ancestralidade é, para ela, guia e combustível. “A minha negritude é a mesma coisa da corrente da água salgada, da água doce e da ventania. Ela é tudo que me compõe.”
Às vésperas da 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, Pérola reafirma seu compromisso: “Estar entre milhares de mulheres negras é se reconhecer como povoado. A gente merece se enxergar, se espelhar e saber que não está só.”
*Este texto faz parte da série Mulheres que Marcham: o voo perene das mulheres negras por Reparação e Bem Viver, que tem como objetivo apresentar oito mulheres negras que, em movimento contínuo, impulsionam a 2ª Marcha das Mulheres Negras.