STF suspende mais uma vez julgamento do marco temporal sobre terras indígenas

Na última quinta-feira (26), o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou depois de quatro adiamentos nos últimos dois meses o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, o chamado Marco Temporal.

Depois de quatro adiamentos nos últimos dois meses, o Supremo Tribunal Federal iniciou a votação, mas só dará continuidade na próxima quarta-feira (1)

Por Andressa Franco

Imagem: Matheus Alves

Na última quinta-feira (26), o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou depois de quatro adiamentos nos últimos dois meses o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, o chamado Marco Temporal. A ação foi movida pelo governo de Santa Catarina, que questiona a demarcação da Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño.

No mesmo dia foi promovido um tuitaço às 13h com a tag #marcotemporalnao, a votação estava prevista para as 14h, mas só teve início por volta das 16h30. No entanto, a continuidade do julgamento foi adiada para a próxima quarta-feira (1º). O presidente do STF, Luiz Fux, justificou a impossibilidade de continuar devido ao tempo necessário para que sejam ouvidas as sustentações orais de 38 advogados.

Para Jurema Machado, antropóloga, professora da UFRB e membro do conselho diretor da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), os sequentes adiamentos representam um risco muito grande. Eles trazem insegurança jurídica, física, existencial e simbólica em termos culturais e linguísticos para os povos indígenas.

“Em outras ocasiões em que a tese do marco temporal foi acionada e julgada, o STF negou a tese, mas esses casos não tiveram essa característica de ser repercussão geral. Uma coisa é votar uma terra aqui e dizer que o marco temporal não se aplica, mas agora é uma decisão que vai servir para o futuro, para a vida. Então a pressão sobre eles é muito grande, principalmente dos setores agrícolas e de mineração interessados nas terras dos povos indígenas”, explica Machado.

Jurema Machado, antropóloga, professora da UFRB e membro do conselho diretor da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí) – Imagem: Acervo Pessoal

O status de “repercussão geral” foi atribuído ao processo pelo STF em 2019, o que significa que o que os juízes decidirem neste caso vai servir de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da justiça no que diz respeito à demarcação de terras.

Seguir o critério do marco temporal significa que os indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras nas quais já estivessem estabelecidos antes da data de promulgação da Constituição de 1988. Proprietários rurais argumentam que há necessidade de se garantir segurança jurídica e apontam o risco de desapropriações caso a tese do marco temporal seja derrubada. A proposta também é apoiada por madeireiros, latifundiários e garimpeiros.

De acordo com a professora, os madeireiros, setores da mineração, setor do agronegócio e afins, são muito interessados nas terras indígenas, porque essas terras estão fora do mercado de especulação. “As terras indígenas não podem ser vendidas, alugadas, arrendadas, então são terras que estão aí para preservação. Isso incomoda bastante, porque são terras valiosas, e que esses setores econômicos não podem alcançar”.

Machado acrescenta que se tratam de terras preservadas, com nascentes e florestas. Não à toa, e sim porque os indígenas se dedicam a esse trabalho de restauração dessas áreas. O que inclui casos em que os indígenas voltam a acessar territórios que já foram devastados pela especulação e pela exploração.

“Falam que tem muita terra para uma população indígena muito pequena no Brasil, 13% do território nacional pra 0,1% da população brasileira, que é o que representa os povos indígenas. Mas eles não dizem que 20% do território está na mão de 1% de empresários, eles não dizem o quanto significa a concentração de terra em relação aos índices, ou quanto por cento do território está na mão de pouquíssimas empresas e setores agrícolas e de mineração”, pontua.

Mobilizações

Desde o dia 22 de agosto, o Acampamento Luta Pela Vida está instalado ao lado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, onde está previsto continuar até este sábado (28). São 176 povos indígenas, vindos de todas as regiões do país e participando de reuniões, plenárias e atos.

Este está sendo considerado o maior movimento indígena já realizado no Brasil, superando o número de povos presentes no processo da Assembleia Nacional Constituinte, nos anos 1980. Na expectativa da votação, os povos indígenas se mobilizaram em todas as partes do país, dentro das aldeias e comunidades, fechando BRs e rodovias, além do 6 mil indígenas que estão no acampamento em Brasília.

Imagem: Matheus Veloso

“Eu acho que essa mobilização está grande porque é como se o Brasil também estivesse despertando, quando atinge os indígenas pode saber que uma série de outros direitos ligados aos mais vulnerabilizados da população brasileira vão ser afetados”, afirma.

A antropóloga também chama atenção para o fato de que não é fácil para os indígenas estarem em Brasília nesse período, em que a cidade está muito quente e seca. Especialmente por serem mais vulneráveis ao vírus de gripe, e estarmos em um período de pandemia.

“Marco temporal é a morte para eles. Então eles passaram por cima de tudo, porque é uma questão de lutar pela vida efetivamente. E o acampamento estava organizado para encerrar entre hoje e amanhã, várias delegações com os ônibus marcados para voltar e aí esse adiamento e transferência para quarta-feira (1º). A gente pensa que o STF fez também para tentar desmobilizar o acampamento, é muita pressão”, completa.

https://twitter.com/MidiaNINJA/status/1431246199105933316?s=19

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