Por Patrícia Rosa
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito de duas mães terem seus nomes no registro de nascimento da filha gerada por inseminação caseira. A decisão foi divulgada no último dia 17 de outubro. O casal vive em união estável desde 2018, e o caso chegou ao STJ, após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não considerar a maternidade da mãe não biológica, alegando que o método adotado, a inseminação caseira, não possui regulamentação no ordenamento
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que a Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo 7º, estabelece que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, cabendo ao Estado fornecer recursos para o exercício desse direito, sendo vedada qualquer forma de coibição por instituições públicas ou privadas.
A ministra também destacou a ausência de regulamentação jurídica específica para o registro de crianças geradas por inseminação caseira em casais LGBT’s. Além disso, afirmou que o Poder Judiciário não pode promover a desigualdade social, levando em consideração os altos custos do tratamento de reprodução assistida em clínicas especializadas.
“Negar o reconhecimento da filiação gerada de forma caseira seria negar o reconhecimento de famílias que não tenham condições financeiras de arcar com os altos custos dos procedimentos médicos”, afirmou a ministra.
Embora a técnica de inseminação caseira não seja proibida no Brasil, ela não é formalmente regulamentada pela legislação, o que impede o registro direto da mãe não biológica no cartório. Dessa forma, é necessário ingressar com um processo judicial para obter o reconhecimento da maternidade por parte da mulher que não gestou a criança. Jéssica Nure, advogada da empresa de Educação e Consultoria Jurídica especializada em Direitos LGBTQIAP+, Bicha da Justiça, explicou que a decisão do STJ servirá de precedente para que outros tribunais sigam o mesmo entendimento sobre o reconhecimento da adulto-maternidade em casos de inseminação caseira
Para evitar problemas relacionados ao registro da dupla maternidade, a advogada recomenda que os casais busquem o auxílio de um advogado/a ou da Defensoria Pública desde a decisão de realização do procedimento. “Não é necessário aguardar a confirmação da gestação para buscar assessoria jurídica. O acompanhamento jurídico desde o início ajuda a garantir que todas as decisões sejam tomadas de forma segura e de acordo com as leis brasileiras”, orientou a advogada.
A organização também divulgou orientações importantes, como a recomendação de que o casal evite usar doadores de esperma que sejam pessoas próximas, para evitar uma futura desistência do anonimato ou busca pelo reconhecimento de paternidade, e que busquem um intermediário para manter contato com o doador durante o processo de inseminação.
“Como a inseminação caseira é uma técnica sem qualquer regulamentação oficial, é crucial tomar precauções quanto à confiabilidade do doador, já que essa pessoa não terá qualquer vínculo legal com a criança, nem participação na vida familiar. Portanto, é fundamental estabelecer um diálogo claro e definido sobre esses limites”, alertou Jéssica.
Outras precauções destacadas, estão relacionadas à saúde, quanto aos cuidados com a busca dos doadores e a solicitação de exames prévios. Um ponto importante, é que o casal não deixe de formalizar legalmente a dupla maternidade, para evitar transtornos com a guarda ou convivência com a criança, com possíveis rompimentos da relação.