“Tenho medo de virar estatística”, desabafa chef de cozinha que é perseguida e ameaçada por ex-companheiro há mais de um ano

Na noite da última quarta-feira (13), a chef de cozinha soteropolitana Paloma Zahir (33) utilizou o seu perfil em uma rede social para denunciar as ameaças e ataques que vem sofrendo durante o último ano.

Matéria produzida de forma colaborativa entre a Redação Odara e a Revista Afirmativa

Na noite da última quarta-feira (13), a chef de cozinha soteropolitana Paloma Zahir (33) utilizou o seu perfil em uma rede social para denunciar as ameaças e ataques que vem sofrendo durante o último ano. O agressor, que não teve o nome revelado no post, é Carlos Eduardo Figueiredo Silva, com quem Paloma conviveu por nove anos e teve dois filhos, de 8 e 9 anos, que também vêm sendo vítimas de perseguição e violências cometidas pelo pai.

Na publicação, ela apresenta capturas de tela com mensagens ameaçadoras e imagens de sua casa com objetos quebrados e sinais de arrombamento.

Em entrevista ao Instituto Odara e Revista Afirmativa, a chef contou que terminou o relacionamento com Eduardo no final de 2019, ao se dar conta de que estava passando por algumas situações de abuso e violência conjugal. No entanto, por conta das dificuldades geradas pela pandemia de Covid-19 e da dinâmica de cuidados com as crianças, ambos continuaram a viver na mesma casa até agosto de 2022, quando Paloma pediu que Eduardo saísse de casa, pois a convivência já estava insustentável.

A partir desse momento, sua vida virou de cabeça para baixo. Eduardo passou a fazer chantagens e manipulações. “Ele começou a surtar e a dizer que eu já estava [me relacionando] com outras pessoas. Em um dos dias de violência, fui ao banheiro e ele entrou, colocando uma faca no [próprio] pescoço, informando que ia se suicidar porque eu não queria mais estar com ele”, conta a chef.

Paloma decidiu então que ela mesma sairia de casa, já que Eduardo se recusava. A partir daí, as investidas do ex-companheiro se tornaram ainda mais frequentes e violentas. Ela conta que no mês de setembro de 2022, Eduardo chegou a mantê-la sob cárcere privado durante uma madrugada inteira. Depois de finalmente conseguir sair da casa onde morava com o agressor, Paloma continuou convivendo com as ameaças e a acusação de ter abandonado a casa e a família. 

Ela conta que era perseguida em todos os lugares aonde ia e que, por muitas vezes, Eduardo estava alcoolizado e dirigindo com as crianças no carro. “Ele foi até a minha casa e quebrou uma parte dos meus pertences. As crianças escutaram tudo isso do carro e ele ameaçou as crianças para não contarem nada”, afirmou. Em outra situação, Eduardo impediu que Paloma falasse com a própria filha no dia do aniversário da menina.

No dia 6 de novembro de 2022, após mais uma invasão de Eduardo à sua casa, Paloma decidiu registrar um Boletim de Ocorrência (BO) na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) e, com o apoio da Tamo Juntas – organização feminista que presta assessoria multidisciplinar para mulheres vítimas de violência -, conseguiu uma medida protetiva contra seu agressor. Ela conta que passou cerca de sete dias fora de casa, “vivendo apenas com uma muda de roupa”, aguardando que a polícia fosse realizar a perícia no local, mas o procedimento não foi feito.

A medida, no entanto, não  intimidou ou impediu as ameaças e perseguições feitas por Eduardo, que em meio a comportamentos cruéis, chegou a afirmar que, caso fosse acionado pela polícia, alegaria insanidade e sairia impune. “Ele diz que não vai dar em nada. E ele está certo”, afirma, indignada, a chef de cozinha.

Eduardo passou a ameaçar também a mãe da ex-companheira, o que resultou na ampliação da medida protetiva e deu a Paloma o direito de ser acompanhada pela Ronda Maria da Penha. Esse direito, porém, nunca saiu do papel. Ela revela que nunca foi procurada pela Ronda e nunca conseguiu atendimento nos momentos em que precisou se proteger de Eduardo. 

A vítima chegou a mudar novamente de endereço, mas recentemente sofreu mais uma tentativa de invasão domiciliar. “Estou há 15 dias em um abrigo, sem poder estar me expondo socialmente e sem poder trabalhar”, explica Paloma, que também é produtora de eventos. “Sou autônoma e isso tudo interfere muito na minha vida financeira”, completa. 

Descaso

Em meio aos processos em busca da proteção da vida de Paloma, a advogada Maria Letícia Ferreira, presidenta da Tamo Juntas, não esconde sua frustração frente à morosidade da justiça perante um caso em que o tempo se apresenta como ponto-chave. “Já fizemos  o pedido de prisão preventiva. Nós temos buscado diversas formas”, responde Letícia, que também revela ter entrado em contato com o Batalhão Maria da Penha e ter aconselhado Paloma a ligar para o 190, o que não tem gerado resultados promissores. “Infelizmente a polícia tem sido negligente, chegado tarde. Sempre que a polícia chega o agressor já tem ido embora”, conta a advogada. 

As experiências de Paloma na Delegacia da Mulher também não foram satisfatórias, como no  dia em que foi tentar fazer um BO depois de Eduardo ter, mais uma vez, desrespeitado a medida protetiva. “Cheguei na Delegacia com o camburão da polícia, demoraram muito pra me atender”, relembra Paloma, que ainda foi incentivada a retornar outro dia já que a advogada que acompanhava o seu caso, à época, não estava de plantão. “Falei pra atendente que não sairia dali sem o Boletim de Ocorrência e ela me disse que um pedaço de papel não salvaria a minha vida”, contou.

Descasos que também aconteceram durante sua primeira oitiva na DEAM. “Mesmo eu informando que tinha provas, eles não abriram mão de que eu levasse uma testemunha. Eu tive que voltar, levar uma testemunha, e só a partir daí eles me perguntaram se eu queria uma medida protetiva”, continua Paloma. “Foram episódios muito ruins e constrangedores”, declara.

Prisão preventiva

Enquanto Paloma continua reclusa com os dois filhos e preocupada com a integridade física de sua mãe, as advogadas da Tamo Juntas seguem pressionando a justiça na tentativa de emitir um mandado de prisão preventiva contra Eduardo. A advogada Maria Letícia explica que a prisão preventiva é uma medida cautelar que acontece quando existe o risco do agressor continuar cometendo o crime. Neste caso, Eduardo pode ser preso “pelo descumprimento reiterado da ordem judicial da medida protetiva e pela forma como ele coloca em risco a vida dela com esse descumprimento”, explica Letícia.

O pedido de prisão está sob a jurisdição da 4ª Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Salvador, e aguarda a decisão judicial. “Estou bastante triste, frustrada… São mais dias que terei que continuar em reclusão”, confessa Paloma. 

As negligências vivenciadas por Paloma não são casos isolados. A jovem Elitânia de Souza da Hora, 25 anos, assassinada pelo ex-namorado, Alexandre Passos Silva Góes, em 2019, no Recôncavo da Bahia, também possuía medida protetiva. À época, o delegado João Mateus, em entrevista, chegou a afirmar que buscava mais provas para solicitar a prisão do acusado, o que não foi feito em tempo hábil, custando a vida de Elitânia.

“É uma guerra pra você fazer um processo andar. E além da guerra que essa mulher está travando contra o agressor, ela precisa travar uma guerra contra o próprio sistema para que ele funcione”, declara Maria Letícia. Ela revela ainda que, em muitos casos, os processos judiciais para garantir a proteção das mulheres vítimas de ameaças e violências só avançam quando esses casos ganham visibilidade na mídia. “Mas quantas mulheres estão na invisibilidade?”, questiona. “Posso afirmar que muitas!”, conclui.

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