Por Patrícia Rosa
O túmulo de Madame Satã, ícone da cultura negra e LGBTQIA+ brasileira, pode ser tombado pelo IPHAN. O corpo está enterrado no Cemitério da Vila do Abraão, na cidade de Angra dos Reis (RJ). O pedido representa um marco para a cultura negra, periférica e LGBTQIA+. O processo está em análise pelo instituto.
Pessoa negra, nordestina, LGBTQIAP+ e ex-presidiário, o transformista João Francisco dos Santos nasceu em 1900, na cidade de Glória do Goitá, em Pernambuco. Filho de Manoel Francisco dos Santos e Firmina Tereza da Conceição, perdeu o pai ainda na infância e, pouco depois, migrou para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar em uma pensão. Sozinho, criou-se e cresceu na cidade, onde se desenvolveu como artista e deu vida à personagem que o tornaria lendário: Madame Satã. Ao longo da vida, exerceu diversas profissões — foi segurança, garçom, cozinheiro e capoeirista, e se destacou no teatro e como transformista.
A ação é coordenada pelo pesquisador Baltazar de Almeida e visa eternizar o legado da lendária Madame Satã. Em suas redes sociais, ele afirma que a iniciativa é construída de forma coletiva e conta com o apoio de instituições e ativistas comprometidos com a valorização da memória negra e LGBTQIAPN+.
“Essa ação é sobre memória, dignidade e resistência. É sobre reconhecer que as histórias pretas, periféricas e LGBTQIA+ também são parte fundamental do que somos enquanto país. O tombamento é mais do que proteger um túmulo, é proteger uma história, honrar uma vida e afirmar que nossas existências importam.”
Em artigo publicado pelo Museu Bajubá, Baltazar fala sobre a invisibilidade da história de Madame Satã. “Se fosse um cara branco e hétero, Madame Satã seria o herói ou mocinho de um filme de grande bilheteria dos cinemas. Mas era preto, abertamente homossexual e, muitas vezes, travestido para expressar sua arte. Viveu em uma época em que ser preto, ser LGBTI+ e ser artista podia significar prisão.”
Em outro trecho, o pesquisador acrescenta que o reconhecimento da trajetória de Madame Satã não é apenas um resgate histórico, mas um ato de justiça cultural. Para ele, o tombamento do túmulo e sua inclusão em um roteiro de Afroturismo Queer em Ilha Grande são formas de garantir que sua memória permaneça viva, inspirando novas gerações a compreender e valorizar a diversidade que construiu a identidade brasileira. Madame Satã morreu aos 76 anos, após lutar contra um câncer pulmonar.