Violência política é tema de atividade virtual da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras

Mulheres Negras de todo Brasil ampliam o 8 de março para o Março de Lutas

Por Andressa Franco

O Março de Lutas é uma agenda coletiva de enfrentamento ao racismo e ao patriarcado, criada em 2019, pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, organização da sociedade civil sediada na Bahia. Estamos em mais um mês de março, e em meio a pandemia, a iniciativa chega a sua terceira edição através da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), mas desta vez de um jeito diferente, recorrendo aos encontros online. Apesar da necessidade de novas estratégias, o que não muda é o objetivo de reafirmar a resistência negra no Brasil através do protagonismo das mulheres negras.

Coordenadora tanto do Odara, como da AMNB, Valdecir Nascimento traduz a proposta da agenda como um projeto que visa assegurar a mobilização das mulheres negras para incidência política nos seus territórios, visibilizando o conjunto de ações e atividades desenvolvidas por estas mulheres e por todo conjunto de movimentos antirracistas durante o mês de março.

Além de reconhecer o 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a mobilização é ampliada para outros marcos emblemáticos do mês, como dia o 21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, “que foi uma conquista dos ativistas da África do Sul no período do Apartheid”, explica Valdecir, se referindo ao Massacre de Sharpeville, onde 69 pessoas foram mortas pela polícia sul-africana em um protesto pacífico.

Valdecir Nascimento – Foto: ONU Mulheres / Ryan Brown

“É bom a gente compreender que quando se consegue que as Nações Unidas e todos os países do mundo concordem em sinalizar uma data como uma data histórica, que marcou processos históricos de algum povo, mesmo que sejam processos violentos, a ideia é não tirar da memória. Então 21 de março não é para celebrar, é para abrir as feridas, rememorar para o mundo que algo absurdo e atroz como aquilo não deverá acontecer mais”, destaca.

Para Nascimento, que também é coordenadora do Brasil na Red de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de la Diáspora e compõe a Secretaria Executiva do Fórum Permanente pela Igualdade Racial (FOPIR), não podemos deixar o mês de março passar sem chamar atenção para datas como a execução da parlamentar negra Marielle Franco (14 de março), e os aniversários de personalidades que contribuíram para o desenvolvimento da população negra e da sociedade brasileira, como Abdias do Nascimento e Carolina de Jesus (ambos em 14 de março) e Luiza Bairros (27 de março).

“Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”

Na última sexta-feira (5), aconteceu a primeira ação programada da agenda: uma live para debater a imbricação do racismo e sexismo com a violência política e eleitoral no Brasil e as possíveis estratégias de enfrentamento. Esta violência tem sido praticada nos últimos anos através de assassinatos, atentados, ameaças, agressões e ofensas, cujos alvos mais recorrentes são as mulheres negras cis e trans.

A transmissão não só reuniu nomes como as vereadoras Erika Hilton (PSOL – São Paulo), Ana Lúcia Martins (PT – Joinville), Dandara Tonantzin (PT – Uberlândia) e Carol Dartora (PT – Curitiba), como também apresentou diversos dados recentes sobre o tema, e que destacam o aumento significativo destas violações de direitos humanos de 2016 a 2020, de acordo com a pesquisa “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, realizada pelas organizações sociais de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global.

Outras pesquisas chamativas mostram dados como: 52% das entrevistadas em um estudo realizado pelo Instituto Marielle Franco relataram ter sofrido racismo durante o período eleitoral; De acordo com o Instituto Alziras, 53% das 300 prefeitas eleitas nas eleições municipais de 2016 sofreram assédio ou violência política. Por outro lado, também temos conquistas, como as 30 candidaturas trans eleitas no Brasil em 2020 (Revista Gênero e Número).

“É lamentável que nós ainda tenhamos que vir aqui e nos reunirmos para falar das violências políticas que sofremos por ousarmos ocupar este lugar. Pelo fato de ousarmos dizer que não: nós não iremos continuar sentenciadas aos lugares que nos foram designados, nós não aceitaremos mais não estarmos presentes na política partidária, nos espaços de tomada de decisão”, foi como Érika Hilton, primeira vereadora negra trans da cidade de São Paulo e mulher mais bem votada do Brasil em 2020, iniciou sua fala na atividade.

Erika Hilton – Imagem: Reprodução redes sociais

 

“Nós conseguimos essa eleição expressiva de mulheres negras, da comunidade trans, mas também temos visto o quanto a sociedade tem se organizado para fazer resistência à nossa chegada no espaço político” – Érika Hilton (PSOL – São Paulo)

Hilton trouxe para o debate as dificuldades de driblar as adversidades da vida enquanto pessoa negra, sobreviver e chegar ao espaço político institucional para pautar uma política de existência e avanços sem que ninguém precise retroceder. “Nenhum homem branco, nenhuma mulher branca, ninguém perde o seu espaço porque nós LGBTQI+, mulheres, negritude, estamos ocupando este lugar que também é nosso por direito. A política precisa ser um espaço que representa e dê respostas à sociedade, e a sociedade é majoritariamente negra e feminina”, afirmou.

A vereadora, que sofreu com tentativas de invasão ao seu gabinete dentro da Câmara Municipal de São Paulo, a maior da América Latina, vê esses ataques como tentativas de fazer corpos como os que representa não se sentirem pertencentes e legítimos naquele espaço. E que, apesar de não se intimidarem, estão atentas às suas seguranças, para que sigam com seus mandatos, denunciando as mortes das mulheres negras, o genocídio da juventude negra e o racismo.

“Nenhum homem branco, nenhuma mulher branca, ninguém perde o seu espaço porque nós LGBTQI+, mulheres, negritude, estamos ocupando este lugar que também é nosso por direito” – Érika Hilton (PSOL – São Paulo)

“As experiências de violência política têm sido muito graves, desgastantes e preocupantes porque demonstram para que rumo nosso país está indo. Nós conseguimos essa eleição expressiva de mulheres negras, da comunidade trans, mas também temos visto o quanto a sociedade tem se organizado para fazer resistência à nossa chegada no espaço político”, alertou Hilton, que depois continuou: “causamos tanto estranhamento que somos recebidas com esse tipo de violência, porque sabem que nossa presença ali significa uma transformação da política e da sociedade como um todo e que nós temos projeto. E esse projeto faz enfrentamento direto às estruturas patriarcais, racistas, capitalistas, e é tudo que eles mais odeiam”.

Para Érika a pergunta que fica é: quem cuida das mulheres negras eleitas e garante que possam continuar exercendo seus mandatos e implementando seus projetos de sociedade com segurança? E a resposta, segundo acredita a própria Érika, está nas próprias mulheres negras.

“Enquanto eles tentam nos paralisar, nos aniquilar, nós vamos fazendo a revolução. Sigamos fazendo a revolução porque estas ameaças e ataques políticos são reflexos da fragilidade e do medo que a branquitude cis hetero masculina que sempre ocupou a política sente ao ver mulheres conscientes de suas lutas e ancoradas na luta de outras mulheres que abriram caminho para que nós hoje pudéssemos estar aqui, e nós temos projeto de nação, de cidade, de país, de humanidade”, conclui Hilton.

Durante e após as eleições de 2018, o aumento de casos de violência política foi expressivo, o período coincide com a ascensão de políticos de extrema direita em cargos de poder no país. Ana Lúcia Martins (PT), primeira vereadora negra de Joinville, município de Santa Catarina, cujo nome esteve em diversas matérias devido à repercussão dos ataques racistas e machistas que sofreu ao ser eleita, e que se configuram, inclusive, como ameaças de morte, afirma já estar pensando na elaboração de um projeto que destine recursos para fazer a segurança dessas mulheres, para que possam exercer seus mandatos com segurança, tranquilidade e saúde mental.

Ana Lúcia Martins (PT) – Imagem: Reprodução Redes Sociais

“Queremos seguir o exemplo de luta e resistência da Marielle, mas queremos fazer isso vivas e saudáveis” – Ana Lúcia Martins (PT – Joinville)

Para Ana Lúcia, além de toda energia despendida com as demandas de projetos, leis, moções e denúncias para garantir saúde, acesso à educação e assistência básica, se preocupar também em como vão se manter vivas é extremamente desgastante.

“Queremos seguir o exemplo de luta e resistência da Marielle, mas queremos fazer isso vivas e saudáveis. Precisamos nos unir sim, mas a responsabilidade não é nossa. O Estado precisa garantir a nossa segurança, os nossos partidos precisam entender que estamos aqui, o nosso corpo está representando esse partido e precisamos encontrar estratégias. Precisamos efetivamente criar políticas de proteção para as mulheres negras que ousaram derrubar as barreiras e chegaram nesse lugar”, desabafa.

“Precisamos nos unir sim, mas a responsabilidade não é nossa. O Estado precisa garantir a nossa segurança, os nossos partidos precisam entender que estamos aqui, o nosso corpo está representando esse partido” Ana Lúcia Martins (PT – Joinville)

 

Programação #MarçoDeLutas 2021

Depois da estreia da programação do Março de Lutas 2021, com a atividade sobre violência política, na última sexta-feira (5), a próxima programação da agenda acontece nesta segunda-feira (8): o lançamento da Revista Eletrônica Cultne: “Marcha das Mulheres Negras – Da ancestralidade ao futuro”. Aqui vale a pena falar o que é o Cultine, que é uma organização parceira desse ano.

Ainda está programado para o dia 19 o Diálogo Internacional – 20 anos da Conferência de Durban e a Luta Global Contra o Racismo, que será transmitido às 15h nos canais oficiais da AMNB no Youtube e no Facebook. Outros eventos acontecerão ao longo do mês e a programação completa pode ser acessada no site da AMNB.

 

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