8 de Março e um diálogo feminista pelo básico: de hooks a Lord

E se em algum lugar do tempo/espaço Audre Lorde se encontrasse com bell hooks? Como seria a conversa e o que essas intelectuais, que trouxeram tantas reflexões enquanto feministas negras, poderiam contribuir para esse 8 de março, o Dia Internacional da Mulher?

Por Daiane Oliveira

E se em algum lugar do tempo/espaço Audre Lorde se encontrasse com bell hooks? Como seria a conversa e o que essas intelectuais, que trouxeram tantas reflexões enquanto feministas negras, poderiam contribuir para esse 8 de março, o Dia Internacional da Mulher? Seria um diálogo fabuloso, mas sinceramente, não sei quem poderia recriar. Então, o que proponho é que pensemos o que tais intelectuais poderiam relembrar hoje, neste dia tão importante de luta, e que podem colaborar na luta coletiva e individual em busca de equidade, combate às violências e opressões.

Penso que a primeira coisa que bell hooks diria é “existem muitos feminismos, e o único não é o que se aliou com a supremacia branca”. Sem sombra de dúvidas, Audre Lorde já reforçaria que “não há hierarquia de opressão”, logo antes de questionar o capitalismo que cooptou a ideia de autocuidado para vender maquiagem.

bell hooks, com essa grafia minúscula como forma romper as normativas linguísticas e acadêmicas, conhecida pelo gentil sorriso, também poderia dizer que “a sororidade ainda é poderosa”, como escreveu na obra “O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras”. Aqui é sempre bom pensar qual sororidade hooks acha poderosa, afinal na mesma obra ela lembra que o feminismo não é um só, e que foi de interesse do “patriarcado capitalista de supremacia branca” silenciar, suprimir o pensamento do feminismo visionário, que em nada é o feminismo de “ódio aos homens”. Além de questionar o olhar do feminismo mainstream pautado na mobilidade de classe e igualdade masculina (sem aprofundamento), se poupando de questionar a subordinação de mulheres pobres e trabalhadoras que seguiam com múltiplas opressões diante de suas interseccionalidades.

Quando bell hooks convida os homens ao movimento feminista e diz que sem eles como aliados “o movimento feminista não vai progredir”, ela despe a lógica de opressões segregadas. Apontando que existe a necessidade de união de todos que estão sob as matrizes de opressão, para que se voltem contra elas Ainda que, pelas dinâmicas de  gênero, esse sujeito possa também ter privilégios. Lembrando, se posicionarem e estarem na luta, não deve significar ter protagonismo ou usar o espaço para seguir promovendo opressões. [Nota pessoal. É importante desenhar muitas vezes, pois alguns se dizem aliados só que não perdem as chances de tentar silenciar mulheres. Isso deixaremos para outro debate, o sobre hipocrisia]

E por fim, hooks certamente iria relembrar que as pensadoras feministas lésbicas estavam entre as pioneiras no levante de questões de classe dentro dos movimentos de mulheres, inclusive com linguagem acessível. Essas mulheres lésbicas, lá na década de 1970, como marca bell hooks, traziam que não haveria união contra o patriarcado sem que classe fosse confrontada e claro, raça e etnia também.

E essa deixa é sensacional para citar Audre Lorde que no texto “As ferramentas do senhor nunca derrubarão a casa grande” diz que “é uma arrogância acadêmica iniciar qualquer discussão sobre teoria feminista sem examinar nossas muitas diferenças, sem uma contribuição significativa de mulheres pobres, de mulheres negras e do Terceiro Mundo, e de lésbicas”, e na ausência dessas considerações existe o enfraquecimento dos debates políticos.

“E, ainda assim, aqui estou, lésbica negra e feminista, convidada a falar na única mesa-redonda nesta conferência em que questões das mulheres negras e lésbicas estão representadas. É lamentável o que isso diz sobre a visão dessa conferência em um país onde o racismo, machismo e a homofobia são inseparáveis”. Essas falas foram feita por Lorde nos Estados Unidos da América, durante a mesa-redonda “The Personal and the Political” (em tradução livre “O pessoal e o político”) na Second Sex Conference, em 1979, em Nova York, diz um pouco sobre o quanto a intelectual achava importante chegar nos espaços ainda que para questioná-los.

Hoje, na internet, muitas pessoas usam o termo “lacração” até como forma pejorativa e intimidatória para se referir a nós, mulheres negras. Mas, o verdadeiro lacre é o que essas intelectuais faziam, e o legado que nos deixaram ao questionar as estruturas que seguimos vivendo e lutando até hoje.

No dia 8 de março, as mulheres negras nem podem dizer “eu não quero receber flores”, pois somos desumanizadas, hipersexualizadas e duplamente violadas sendo o “outro do outro”, como teorizou a Grada Kilomba, que sequer existe o espaço de dizer que flores não são necessárias. Não recebemos flores, muitas vezes sequer afeto e nem vamos falar de gentileza. Sojourner Truth já havia perguntado “E eu não sou uma mulher?”, o questionamento cabe ainda. Poderíamos passar dias lembrando possíveis questões a serem levantadas por algumas dessas mulheres e tantas outras como nossas avós, mães, vizinhas, ancestrais. 

Mas é isso, um outro 8 de março, mais um dia de luta, mais um momento de dizer  que a princesa guerreira é a Xena e nós, mulheres não-brancas, não-heterossexuais, pobres, queremos o mínimo que é o nosso direito à vida, respeito, acesso ao serviço de saúde de qualidade, acesso à moradia digna, saneamento básico, água potável. Não queremos mais enterrar nossos filhos vítimas de um Estado racista e genocida. Sabe… O mínimo!

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