Por Monique Rodrigues do Prado / Imagem: Blogueiras Negras
Na língua portuguesa o sujeito oculto é aquele que aparece implicitamente nas orações. Seriamos nós, mulher negras, as sujeitas ocultas que nunca ou frequentemente não aparecem nos espaços sociais quanto o assunto é afeto?
A abolicionista e defensora dos direitos das mulheres, Sojourner Truth, já denunciava sua revolta sobre as ausências de cuidados em relação às mulheres negras. Em 1851 a Convenção pelos Direitos Humanos das Mulheres que aconteceu em Ohio, Estados Unidos, Sojourner proferiu um discurso relatando os abusos de uma sociedade escravocrata que açoitava corpos negros e estuprava mulheres as tratando como coisas.
Mas será que muitas coisas mudaram de lá para cá em termos de afetivo às mulheres negras?
Se para muitas mulheres negras é possível observar uma criação de empoderamento dentro de casa, especialmente advindas das nossas bisas, avós e mães, desde os cuidados com as tranças, a valorização de nossa beleza do jeito que ele é e no incentivo para que consigamos a nossa independência financeira, fora de casa já na fase infanto-juvenil as meninas e mulheres negras são castradas de suas subjetividades, visto que há uma universalidade branca que determina quem é o sujeito digno de cuidados afetivos.
O antropólogo Matheus da Rocha Viana no artigo “Decolonizando afetos: a presença do colonialismo na construção de afetos da população negra e a decolonialidade do ser” fala sobre a constituição da estrutura dos afetos que por serem hegemônicos, reproduzem colonização sobre os corpos pretos. Isso se dá, sobretudo, porque as pessoas negras são estereotipadas por um guarda-chuva que envolve a inferiorização, a desumanização e a brutalização desses corpos no se refere à corporeidade, as características físicas e aos fenótipos.
Como é possível construir segurança e autoestima nas relações afetivas quando as pessoas brancas se colocam como melhores do que os negros? Provoca Matheus.
Essa construção estrutural do racismo que também penetra nos afeitos é um artifício da branquitude para ilustrar o negro como moral, intelectual, sexual e esteticamente inferiores que eles, os brancos, como explica o jurista e professor Adilson Moreira em sua obra que revela as faces do racismo recretativo.
Não à toa que as produções midiáticas, publicitárias e audiovisuais reiteradamente insistem em linguagens, representações e imagens de mulheres negras de forma hiperssexualizada, subserviente e a ridicularizada, como se mulheres negras tivessem instintos libidinais desenfreados com apetite sexual incansável, mas que não fossem dignas de afeto.
Há uma construção cultural de quem pode circular publicamente de mãos dadas, de quem pode ser apresentada para a família em um almoço de domingo ou de quem pode vestir véu e grinalda e constituir uma família sólida. Sobre as mulheres negras essa romantização não é sequer autorizada.
Essa hegemonia retira de mulheres negras qualquer forma saudável de expressão de afeto, desnaturaliza a possibilidade de amor sobre esses corpos e viola as emoções como se fosse proibido amar uma mulher negra, fazendo com que ela permanece oculta e rasa nas suas relações que muitas vezes acontecem de forma tardia ou paradoxalmente muito cedo, porém comumente às escondidas, de forma abusiva e tóxica. Essa é uma forma da branquitude manter as correntes presas nesses corpos, pois para os pretos nem o amor está dado.
Se o racismo formata as subjetividades nas relações sociais, visto que do ponto de vista da consciência e dos afetos, essa tecnologia da branquitude valida quem merece ser considerado sujeito, amar passa a ser uma expressão sociopolítica.
Portanto, se amar é um ato político, nós mulheres negras nos recusamos a receber migalhas de afetos. Somos gente, sujeitas pensantes e presentes. Não estamos ocultas. Somos mulheres cheias de sonhos e sabemos do nosso valor. Não precisamos da sua validação, pois ainda que nos reconheçamos valentes, somos sujeitas humanizadas e afáveis.