Polícia foi responsável por 38% dos tiroteios e 71% das chacinas em Salvador e RMS no primeiro semestre, aponta relatório

Dados do relatório divergem da SSP-BA, que tem celebrado publicamente redução da violência armada no estado

Por Andressa Franco

Os primeiros seis meses de 2024 demonstraram uma violência crescente nas ações policiais em Salvador (BA) e Região Metropolitana (RMS), representando 38% dos tiroteios mapeados pelo Instituto Fogo Cruzado. Nos primeiros seis meses de 2023, essa proporção era de 36%, e entre julho e dezembro de 2023, era de 37%. Em números absolutos, dos 916 tiroteios registrados em Salvador e RMS, 349 aconteceram em ações policiais.

O relatório do Instituto mostra que houve um aumento de 15,5% nos tiroteios em comparação com o primeiro semestre de 2023.

Entre junho e janeiro deste ano, foram 860 pessoas baleadas, destas 682 morreram, número 14% maior que o acumulado no mesmo período de 2023, quando 758 pessoas foram baleadas, das quais 597 morreram.

Em relação ao perfil das vítimas, 819 eram adultos entre 18 e 59 anos, representando 95% dos baleados. Houve ainda 30 adolescentes baleados (24 morreram e seis ficaram feridos), seis idosos mortos a tiros, e duas crianças foram baleadas e sobreviveram. Além de uma pessoa morta e duas feridas, sem idade informada. O relatório não disponibilizou informações sobre raça e gênero das vítimas.

Dados da SSP divergem

Entre as 860 pessoas baleadas, 309 foram atingidas durante operações policiais, número que equivale a 36% das vítimas. Foram 248 pessoas mortas e 61 feridas nessas ações. Entre janeiro e junho de 2023, das 758 pessoas baleadas, 33% foram atingidas em ações policiais: 205 morreram e 45 feridas.

Os números mostram que os agentes de segurança do estado estão aumentando ainda mais a sua letalidade. Mas, para o governador Jerônimo Rodrigues (PT) “a Bahia está num momento de celebração. Os dados comparativos entre o que nós vimos no ano passado e no ano retrasado, agora no primeiro semestre, são dados que nos animam”, comentou no último dia 9 de julho, durante o lançamento do sistema de emissão da nova Carteira de Identidade Nacional. 

A declaração aconteceu poucos dias depois de um jovem negro de 26 anos ser perseguido, torturado e morto pela Polícia Militar baiana. Já no último sábado (13), um homem foi morto a tiros após uma discussão com um policial militar em uma festa, em Formosa do Rio Preto, no Extremo Oeste baiano. No mesmo final de semana, domingo (14), equipes da Rondas Especiais (Rondesp) da PM baiana foram flagradas colocando o corpo de um homem dentro do porta-malas de uma viatura, no bairro Boca do Rio, em Salvador (BA). 

Nesta quarta-feira (17), o secretário de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), Marcelo Werner, apontou uma redução nos índices de confrontos armados da capital e da região, em uma coletiva de imprensa.

Werner afirmou que houve uma redução de 11% nos Crimes Violentos Letais Intencionais em Salvador no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado. Perguntado durante a coletiva sobre as divergências em relação à publicação do Fogo Cruzado, o secretário disse respeitar todos os estudos, mas reafirmou a redução divulgada pela Secretaria.

Segundo ele, a metodologia da SSP-BA reúne números que estão em consonância com o Data SUS, que é o dado da saúde.

A declaração remete a uma das grandes descobertas do Atlas da Violência 2024, divulgado em junho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): a subnotificação. O levantamento faz um apanhado dos homicídios ocorridos em 2022, utilizando principalmente dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.​

Foram 46,4 mil homicídios registrados, mas 52,3 mil são estimados. Os pesquisadores do Atlas explicam que esses seis mil homicídios que ficaram de fora dos registros oficiais foram contabilizados erroneamente como morte violenta por causa indeterminada. O programa Profissão Repórter, da TV Globo, chegou a procurar algumas das famílias de vítimas classificadas como “morte violenta por causa indeterminada”, revelando que eram casos de homicídio flagrantes, algumas delas tendo sido atingidas com mais de 10 disparos, por exemplo.

Chacinas

Apesar do aumento no número de mortes, caiu o número de chacinas em Salvador em RMS neste primeiro semestre. Foram contabilizados sete casos, que deixaram 23 civis mortos. Das sete, cinco foram chacinas policiais, ou seja, 71% dos casos, e deixaram 17 civis mortos. No mesmo período de 2023, ocorreram 21 chacinas – 14 delas com participação policial – com 74 mortos.

“Os dados não deixam dúvidas: a política de segurança baiana continua colocando a população frequentemente na linha de tiro. A participação nos tiroteios policiais está em uma escala crescente, amedrontando os mais vulneráveis ​​e tornando Salvador e região metropolitana um espaço cada vez mais inseguro. É preciso que as políticas públicas sejam pensadas para trazer paz à população”, afirma Dudu Ribeiro, cofundador e diretor executivo da Iniciativa Negra, organização parceira do Instituto Fogo Cruzado na Bahia, e, também, membro da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia.

Municípios

Entre os municípios que fazem parte da região metropolitana, Salvador foi o mais impactado pela violência armada, concentrando 76% dos tiroteios, 72% dos mortos e 81% dos feridos. A capital baiana é seguida por Camaçari, com 84 tiroteios, e Lauro de Freitas, com 36 tiroteios. Salvador também reúne os bairros mais impactados pela violência armada e maior número de tiroteios: Paripe (24), São Cristóvão (22), Valéria: (20), Pero Vaz (20) e Fazenda Grande do Retiro (19).

Para acessar o número total de tiroteios, mortos e feridos em cada município da RMS, além das circunstâncias das mortes das vítimas, acesse o relatório completo aqui

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