Ataques ao povo Guarani Kaiowá acontecem em meio a críticas à Comissão de Conciliação sobre o Marco Temporal

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil está considerando deixar a comissão por falta de paridade no debate

Por Andressa Franco

Os ataques de fazendeiros que deixaram 11 indígenas Guarani Kaiowá feridos no último final de semana, em Douradina (MS), acontecem em meio a tensões na Comissão de Conciliação sobre o Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). 

A primeira audiência aconteceu nesta segunda-feira (5), com objetivo de resolver conflitos relacionados à demarcação de terras indígenas. A comissão é composta por representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Congresso Nacional, governo federal, estados e municípios​.

No entanto, a Apib está considerando deixar a comissão por falta de paridade no debate. Em resposta, o juiz Diego Viegas Veras, que presidiu a audiência, disse que os trabalhos da comissão seguirão mesmo sem a presença da Apib nas reuniões. O coordenador da Articulação, Kleber Karipuna, afirma que a participação depende da suspensão da Lei do Marco Temporal (14.701/2023) pelo STF. As reuniões devem acontecer até 18 de dezembro, e a próxima está marcada para o dia 28 de agosto.

Em sua conta no X, a deputada federal Célia Xakriabá classificou o tom de Veras como problemático. 

A criação da comissão e a suspensão de todos os processos judiciais relacionados ao Marco Temporal foram decididas pelo ministro Gilmar Mendes em abril de 2024, visando evitar insegurança jurídica e resolver disputas de forma conciliatória. 

A deputada Célia Xakriabá também criticou a formação da comissão, especialmente as indicações do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para acompanhar as reuniões: Pedro Lupion (Progressistas-PR), presidente da Frentes Parlamentares do Agro (FPA) e responsável pelas Relações Institucionais da Frente Parlamentar Invasão Zero; Lúcio Mosquini (MDB-MT), coordenador da Comissão de Direito de Propriedade da FPA e autor do PL da Grilagem; e Bia Kicis (PL-DF).

“Parece deboche nos colocar como 2ª suplente, sabendo que a chance de fala é quase nula. Isso mostra bem de que lado o presidente da Câmara está ao privilegiar a bancada do agro e dar nenhuma importância à presença indígena numa conciliação absurda que pretende negociar os nossos direitos constitucionais aos nossos territórios.”

O cabo de guerra relacionado ao marco temporal dialoga diretamente com os Guarani Kaiowá, que desde julho alertam as autoridades sobre as ameaças que vinham recebendo. Isso porque no dia 13 de julho eles retomaram a Terra Indígena (TI) Panambi-Lagoa Rica, território sobreposto pela fazenda do agropecuarista Cleto Spessatto. O terrtório já foi reconhecido e delimitado há anos, mas está com o processo demarcatório parado desde 2011, na pendência da publicação de uma portaria declaratória e da homologação. Passados tantos anos de espera, sobrevivendo em barracos de lona em reservas, os Guarani Kaiowá decidiram dar início à autodemarcação.

PEC da Morte

Apesar do STF ter considerado a tese do marco temporal inconstitucional no dia 27 de setembro de 2023, no mês seguinte o congresso aprovou a Lei do Marco Temporal (14.701/2023), fazendo valer o critério que considera terras indígenas apenas aquelas ocupadas ou em disputa até a promulgação da Constituição de 1988.

Não contentes, um grupo de senadores e em especial a Frente Parlamentar de Agricultura (FPA) está atuando para alterar o artigo 231 da Constituição Federal, a cláusula pétrea garante o direito originário indígena, através da Proposta de Emenda à Constituição 48, conhecida como “PEC da Morte”, criada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RO), que busca incluir a tese do marco temporal na Constituição. 

Em nota publicada nesta segunda-feira (5), a Apib relata que apesar de ter enviado diversas manifestações ao Supremo, alertando para zelar pela Constituição e manter a coerência sobre a decisão e suspender os efeitos da lei 14.701/2023, não houve retorno.

“O ministro que assumiu esses processos foi o Gilmar Mendes. Ele é publicamente contra os direitos indígenas. E não nos deu nenhuma resposta. Enquanto isso, dentro das retomadas e mesmo nos territórios já demarcados, a quantidade e a intensidade de violências, ameaças, ataques, racismo, assédios moral e econômico, está cada vez maior. Isto porque os capitalistas, especialmente os que estão na FPA, estão interessados na madeira, nas terras e em minérios que estão guardados sob nossas florestas: ouro, prata, cobre (MG, PA, GO, MT); lítio, nióbio e silício (MG e RJ); estanho (RO e BA); além dos combustíveis fósseis como gás e petróleo”, escreveu a entidade.

Em outubro, o Senado volta a debater a PEC 48, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). 

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