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Assassinato de Ághata Félix completa seis anos sem condenação do policial responsável

Ághata foi morta dentro de uma Kombi, no Complexo do Alemão, após ser atingida por estilhaço de um projétil de fuzil, em 20 de setembro de 2019. O tiro foi disparado pelo policial militar Rodrigo José de Matos, que foi absolvido em júri popular
Colagem: Karla Souza

Por Elizabeth Souza

Sorriso negro, inocente e sincero, daqueles que os olhos sorriem juntos e os buraquinhos nas bochechas se formam. Expressões que revelam quão amada e feliz era Ághata Félix. Se viva estivesse, teria 14 ou 15 anos, mas a violência letal e racista do estado do Rio de Janeiro não lhe deu mais tempo. Sua vida foi arrancada aos oito anos de idade, quando teve seu pequeno corpo atravessado por um projétil de fuzil, no Complexo do Alemão, no dia 20 de setembro de 2019. O autor do disparo: um policial. Em 2025, quando se completam seis anos desse episódio cruel, a impunidade segue em curso. 

A Afirmativa procurou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) para informações sobre atualizações do caso, e fomos informados que “não há movimentação no processo desde a data da sentença, em 9 de novembro do ano passado [2024]”. Essa data é referente à última atualização, quando o responsável pela morte da menina – o policial militar Rodrigo José de Matos – foi absolvido pelo juíz Cariel Bezzera. A sentença foi proferida durante júri popular, composto por cinco homens e duas mulheres. O júri – que durou mais de 12 horas – compreendeu que o policial não teve a intenção de matar.

“A não condenação – ou o não julgamento – desses agentes públicos, desses agentes do Estado, significa uma chancela”, observa Gabriela Ashanti, advogada e coordenadora do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, do Odara Instituto da Mulher Negra

A justiça é tão longe

À época, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) entrou com recurso contra a decisão. Nesse sentido, o MP defendeu que durante o inquérito foram reunidas provas suficientes para o embasamento da acusação. Segundo o processo, as provas reunidas até o momento não permitem concluir que o acusado tenha agido em legítima defesa, pedindo, assim, que a absolvição fosse anulada. Até agora, não houve mudanças no caso, que segue impune, e o policial responsável pelo crime continua solto. 

“Não acreditamos que as instituições jurídicas de um Estado que é racializado e que é racista seja capaz de promover justiça de fato para as nossas famílias, para a nossa comunidade negra”, assevera Gabriela Ashanti. 

“Justiça de verdade para nós é que nenhuma criança mais morra. Ainda menos de modo violento, ainda menos pelas mãos do braço armado do Estado. Justiça para nós é que não haja outras Ághatas, outros Pedros Henrique, outros Joeis, outras Mirelas, outras Jovanas. Justiça para nós é o impedimento de que as nossas vidas sejam ceifadas.” – Gabriela Ashanti, advogada e coordenadora do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, do Odara Instituto da Mulher Negra

“Pele alvo”

Ághata Félix foi atingida por um tiro quando ainda estava ao lado da mãe, Vanessa Salles, dentro de uma Kombi que acabara de estacionar na Comunidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro. À época, a versão do policial militar Rodrigo José de Matos foi a de que agiu em legítima defesa, após dois homens em uma moto passarem no local atirando contra policiais que estavam ali. 

Imagem: Reprodução Redes Sociais

Versão refutada posteriormente pelas investigações da Polícia Civil que provaram não  ter havido troca de tiros no local e que além dos policiais, não havia outras pessoas armadas. Posicionamento corroborado por relatos de testemunhas. Segundo a investigação, os homens na moto transportavam uma esquadria de alumínio e foram confundidos com criminosos. A perícia constatou que a bala ricocheteou em um poste, em seguida um dos fragmentos perfurou o assento da Kombi, atingindo as costas e saindo pelo tórax da pequena Ághata.

“Pensando no campo do Poder Judiciário, é importante observar que, quando policiais vão a julgamento, isso expõe a natureza belicosa e violenta da instituição policial. Trata-se de um modus operandi que não é individual, excepcional ou pontual. A lógica adotada é a da violência preventiva: ‘atirar antes e perguntar depois’”, destaca Gabriela. 

No mesmo ano do crime, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apresentou denúncia contra o policial Rodrigo, acusado, à época, de homicídio qualificado — crime cuja pena pode chegar a 30 anos de prisão. Poucos meses depois, em dezembro de 2019, a Justiça acolheu a acusação e transformou o agente em réu. Na decisão, a juíza Viviane Ramos Faria determinou a cassação de seu porte de arma e proibiu que ele voltasse ao policiamento ostensivo enquanto durasse a ação. Àquela altura, Rodrigo já estava afastado das ruas desde o episódio.

A Afirmativa entrou em contato com a PM do Rio de Janeiro para saber como anda a atuação do policial Rodrigo José de Matos dentro da corporação após o júri popular decidir pela absolvição, mas não tivemos respostas até o fechamento desta matéria.

Em fevereiro de 2022 aconteceu o primeiro  júri sobre o caso, ocasião em que Vanessa Salles – mãe de Ághata – esteve pela primeira vez frente a frente com a pessoa responsável por tirar a vida de sua filha. Naquele dia, Vanessa foi a primeira a depor e aproveitou a ocasião para expressar sua indignação e sede por justiça, revelando a expectativa de que o acusado fosse condenado.

Mais de três anos depois desse episódio, a injustiça segue. “Estar em territórios majoritariamente negros passa a ser visto como estar em território inimigo, ainda que muitas vezes quem dispara também seja negro. O racismo brasileiro se revela assim como um crime perfeito: capaz de colocar sujeitos negros para cometer violência dentro de sua própria comunidade racial”, conclui Gabriela Ashanti.

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