Por Laila Oliveira*
O menor estado do país é novamente marcado por um caso brutal de feminicídio. No sábado à noite, 5 de abril, os grupos de WhatsApp tocaram com mais uma notícia dilacerante: a morte de mais uma mulher negra pelas mãos de um homem. Desde então, não consegui falar sobre o assunto. É mais um corpo de mulher preta que tomba, mais uma vítima, mais um número nesse quadro que nos assombra.
Mas Vanessa de Jesus não é só um número nas estatísticas. Ela tinha nome, sobrenome, história. Era trabalhadora, margarida em Aracaju, responsável por limpar a cidade – um trabalho majoritariamente ocupado por corpos pretos, que percorrem ruas e avenidas quase invisíveis, apesar do laranja vibrante de suas fardas.
Sob o sol escaldante, peles pretas que ardem enquanto limpa a sujeira de todos: dos pobres aos ricos, dos mal-educados que não conseguem jogar o lixo no lugar certo, daqueles que atiram suas porcarias pelas janelas dos carros. São essas trabalhadoras e trabalhadores que recolhem os restos de uma sociedade que não respeita nem a cidade, nem quem a mantém limpa.
O estômago embrulha. Imagens de outros casos passam pela cabeça. “Vanessa vive!” – será esse o mote? Vive? Não. Não dá para pensar só nisso. O gosto amargo na boca persiste: mais uma mulher brutalmente assassinada, desta vez, por um policial militar. Vanessa estava se divertindo com amigos e familiares. Parece ironia do destino: morta na rua, justo no espaço que ela cuidava e conhecia tão bem, aquele onde dedicou horas de sua vida em trabalho duro. Mas a sociedade lhe negou o direito de ocupar esse lugar com alegria. “Que audácia a sua, Vanessa”, pensam eles. Trocar a vassoura por um copo de cerveja depois de 16 horas de trabalho! Dezesseis horas.
Moradora do Siqueira Campos, mãe de dois filhos – um de 3 e outro de 6 anos –, irmã, filha, Vanessa tinha apenas 25 anos. Ela morreu pelas mãos de quem, em tese, deveria protegê-la. Mas nós, mulheres negras, não estamos seguras em lugar nenhum. O medo e a violência nos assombram há séculos.
Em 2024, o Brasil bateu o recorde de feminicídios dos últimos anos: 7.072 mulheres mortas, segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública. Em 2025, completam-se 10 anos da Lei do Feminicídio, uma conquista dos movimentos sociais, mas que, sozinha, não é capaz de frear a violência de gênero e raça que estrutura nossa sociedade. Quando olhamos para as mulheres negras, a situação é ainda mais cruel: 63,3% das vítimas de feminicídio em 2023 eram negras (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2024). Em Sergipe, foram 10 mulheres assassinadas em 2024.
Vanessa, não nos conformaremos em transformar essa dor em apenas um mote, sua história em apenas um número. A sua morte é uma mensagem para todas nós. Por você, por sua família, por seus filhos, reverberaremos sua história e exigiremos justiça. Que seus algozes não tenham paz às custas de nossas lágrimas. Que seu nome ecoe, que sua memória não seja apagada.
*Jornalista, mestra em comunicação (UFS), doutoranda em Sociologia (UFS) e Estudos Étnicos e Africanos (UFBA). Atua na Auto-Organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria. Mãe de Enzo e Bento 🌿
** Este é um artigo de opinião que está dentro da nossa política editorial, mas não reflete necessariamente o posicionamento da Revista Afirmativa