Por Karla Souza
O Tribunal de Justiça de Sergipe suspendeu, na última terça-feira (27), os efeitos de uma liminar que obrigava o Ilê Axé Odé Bamirê Obá Fanidê a entregar parte do seu território a um vizinho que reivindica a posse da área. A decisão foi assinada pela desembargadora Elbe Maria Franco, que acolheu os argumentos do terreiro, destacando o impacto social e humano que a remoção poderia causar. Apesar da suspensão, o processo segue em tramitação.
Fundado em 1951 pelo babalorixá José D’Obakossô, o terreiro é uma das casas-matrizes do candomblé Ketu mais antigas de Sergipe. A área ameaçada abriga os quartos de santo, incluindo o de Oxóssi – um dos orixás patronos do espaço sagrado -, além de espaços que compõem a residência da ialorixá Mãe Acácia Maria, responsável atualmente pela condução espiritual do egbé, a comunidade espiritual formada pelos membros do terreiro.
“A desocupação forçada e imediata poderia resultar em desequilíbrio e desordem significativos, sem que haja plausibilidade concreta e imediata que justifique tal medida extrema”, relatou a desembargadora na decisão.
A primeira ordem de despejo havia sido determinada pela juíza Viviane Cavalcante, da 1ª Vara Cível de São Cristóvão, município onde o Ilê está sediado, localizado na Região Metropolitana de Aracaju. A juíza Elbe Franco, ao reverter a decisão, argumentou que a comunidade religiosa está na posse do terreno há mais de 30 anos, e que há um processo de usucapião em andamento – ou seja, um pedido de reconhecimento da propriedade pelo uso contínuo e pacífico da área.
Ao veículo Bahia Econômica, o advogado Bruno Heim, que acompanha a defesa do terreiro, declarou que o caso representa uma grave ameaça à liberdade religiosa e ao patrimônio cultural.
O episódio gerou mobilização de lideranças religiosas, movimentos negros e organizações de defesa dos direitos humanos. Em nota publicada na sexta-feira (23), o egbé do Ilê Asé Opô Osogunlade, afirmou que não é admissível que Sergipe, estado com uma das maiores populações negras do país, se torne cenário de mais um ataque violento contra o povo de terreiro. “Cada parte de nosso território tem história, tem axé e traz a memória de nossos ancestrais.”, diz o texto, que também faz um apelo às autoridades para que considerem os impactos da decisão e atuem na garantia dos direitos dos povos tradicionais.